sábado, 14 de dezembro de 2013

Pré-natal

Oito meses e três semanas, a barriga estava pela boca. Estava pela boca também todo o seu ar, seu cansaço e a ansiedade de quem é de primeira viagem. A mão que circundava a esfera a cada instante, transmitia amor e um calor para aquele ser que ainda nem se fez, mas já chegará tendo responsabilidades. O ar de mãe no rosto sempre lhe coubera, antes mesmo de saber que estava grávida todos já sabiam, ali seria uma grande mãe.
Olhando a sala silenciosa, lotada, perdia um pouco a tensão, tantas mães no mundo, quantos será que vão nascer no mesmo dia que o meu? A sala de espera era aflitiva, sentada, com a barriga pela boca, as mulheres suavam frio; outras com crianças já de colo faziam a trilha sonora daquele lugar de esperanças e mistérios.
Voltou os olhos furtivamente para a televisão, apenas para ver se conseguia entender algo, mas só via as imagens, ouvir era quase impossível. Continuou a se entreter com as pessoas ao seu redor, sem dizer nada apenas olhava. Seus olhos falavam por si, a curiosidade de ver outras grávidas, saber quantos meses, se seria menino ou menina, qual seria o nome e tantas perguntas que fazia com o olhar, mas que não esperava resposta.
Uma delas lhe chamou a atenção, pois conseguia dormir sentada naquela cadeira dura, que mal apóia, neste calor e com este barulho. Ou estava muito cansada, ou era muito despreocupada. Mas impossível ser despreocupada quando você é responsável por outra vida, uma vida que ainda nem começou, mas que em breve terá sua história.
O tempo não passava, aqueles vinte minutos na cadeira já incomodavam bastante, nenhuma posição era boa. Levantou-se da cadeira e foi andar um pouco exibindo o barrigão, até andar era uma aventura. Alisava a barriga constantemente. O tempo passava devagar naquela tarde, as crianças choravam e brincavam, brincavam e choravam, num contraste de emoções e barulhos que poderiam fazer qualquer um não querer ficar ali, mas era preciso, sempre era preciso.
Em pouco tempo caminhar incomodava, o calor incomodava e até o silêncio, se houvesse, iria incomodar. A cara pálida, o batom vermelho, o sorriso no rosto e os cabelos presos sem um corte definido faziam uma mistura de renascimento com decadência de um ser.
Seria a próxima, anunciou a secretária. Justo neste momento a demora é maior, justo neste momento a que entrou antes demora mais e mais que todas as outras.
Carregava consigo os exames, as receitas, as dúvidas e tudo que pudesse caber em sua consciência.
Naquele lugar havia um pacto secreto de que homens eram proibidos, porque só as mulheres ficavam e só elas agüentavam esperar, os maridos deixavam-nas ali e saiam em seguida. Não havia placas, não havia recomendações, mas nenhum homem ficava naquele local, fato curioso que não tem muita explicação.
Chegara sua vez, entrou na sala, acomodou-se na cadeira, mas aquela posição também não era boa, mas mesmo assim mostrou os exames ao médico. Olhando cada folha atentamente, procurando cada letra mágica, o médico folheava aquela papelada toda, fazia perguntas para a futura mãe e no fim deu o diagnóstico:
-Bem, bem, oito meses e três semanas não é? Semana que vem ele vem ao mundo, está tudo bem, tudo perfeito.
O sorriso na cara da mãe ganhou um novo tom, agora estava corada. Ela já tinha lido todos os resultados, mas mesmo assim ficou com medo, poderia ter algum código ali que não entendia, alguma palavra que dissesse algo que não conhecia.
O médico olhou para o calendário, marcou a data com ela, trocaram algumas palavras e ela por fim sairia aliviada.
De repente ela começou a sentir saudades daquela barriga, de carregar por tanto tempo aquela criatura que nem conhecia direito, de enfrentar todas aquelas aventuras.  Passou rápido, passou furtivamente em sua vida.
Saiu da sala com um ar mais leve, satisfeita e meio aérea. A rua traria desafios, a próxima semana seria de mais tensão, sua vida ganharia novos capítulos. Enquanto outras mães esperavam seus maridos para ir-lhes buscar, ela saiu caminhando pela porta, colocou seus óculos escuros e saiu para o ponto de ônibus mais próximo. Seu filho teria apenas mãe, o pai, este não existe mais para ela, talvez para o filho exista, para ela não mais.


quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Morte e vida ao bairro do Rosarinho.



Há dez anos, desde que vim morar por estas bandas, sempre que vou à Padaria, ao Parque da Jaqueira, à academia fico procurando casas antigas, construídas e preservadas com amor e com detalhes que só pessoas que levantaram a própria casa podem fazer. Porém, nestes últimos anos, minha admiração pelas casas vem transmudando para o susto ao ver que mais uma construtora comprou uma casa no bairro do Rosarinho. Há uns 5 anos tirei uma foto de um cenário que eu vislumbrava assim que saía de uma academia; ali começava a brotar os primeiros arranha-céus. Não sei se foi premonição, mas hoje, esta mesma “paisagem” encontra-se totalmente transformada e poluída pela quantidade imensa destes prédios em apenas um quarteirão.

Quando caminhava, ficava admirado vendo casas de dois andares, com muros diferentes, e quase sempre batia um pouco de curiosidade sobre a história de quem fez aquela casa, de quanto tempo mora ali ou por que construiu daquela forma? Hoje, quando saio a pé ou de bicicleta, fico surpreso e assustado; minha reação tem sido, “poxa, as construtoras compraram aquela casa também” .

Impressionante como o bairro do Rosarinho, que sempre fora conhecido como bairro de casas, ou de prédios de até três andares, está passando por uma transformação radical, com prédios cada vez mais altos e luxuosos. Na bela Praça do Rosarinho, às margens da Avenida Norte, uma grande construtora “comprou” aquela paisagem e está construindo um apartamento de quase 30 andares nas costas da praça. Uma outra está terminando outro prédio de frente para a praça, enfim, a paisagem está ficando sufocante, o ar que tinha aquele sabor de história está ficando “moderno” e não sei até quando vai essa onda imobiliária pelo bairro.

Mas eu não percebia isso, até bem pouco tempo eu vibrava com alguns belos empreendimentos, com a “modernidade” chegando ao meu bairro. Era bom saber que nosso imóvel estava ficando mais valorizado. Porém, ao ver que ao lado de um prédio que estava sendo construído, uma construtora rival tinha comprado 5 casas ao lado deste para aproveitar essa “valorização”, eu tomei um choque. Quase não acreditei vendo os tapumes ao redor de todas aquelas casas históricas que estão indo abaixo pouco a pouco.

A cada dia que ando pelo bairro eu vejo mais e mais casas sendo vendidas, mais e mais empreendimentos sendo lançados e mais e mais a história e o ar bucólico do meu bairro irem embora. Várias ruas, que são quase invisíveis em comparação com as grandes avenidas, já possuem congestionamentos consideráveis nas horas de saída para o trabalho e na volta, e tudo tende a piorar.

Hoje, após ver essa matéria no jornal, fiquei ainda mais assustado. Ao que tudo indica, os bairros do Rosarinho, Encruzilhada e Tamarineira irão “crescer” mais, várias casas ainda serão destruídas e os engarrafamentos em suas ruas quase bucólicas serão ainda mais constantes em certos horários.

Ironia ou não do destino, aprendi a gostar e amar este bairro, sua localização, sua vida e sua história. Mas estou de mudança, sairei de uma rua para outra, indo morar num desses novos empreendimentos do Rosarinho, quando dei por mim já estava aderindo à nova moda do bairro.


sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Sem sonho



Acordei meio confuso, tomei meu café da manhã, li o jornal do dia e sai para o trabalho como de costume. No caminho a mesma paisagem de concreto  poluída cercava-me sem poesia. Os carros tocavam sua música de costume, as pessoas seguiam como zumbis a algum lugar e a cidade, que se dizia viva pelas pessoas estarem indo ao trabalho, ou saindo para resolver seus problemas, na verdade estava morta. A vida que passa pela janela nunca é vida, é uma aparência de normalidade, mas essa não passa de uma repetição medíocre dos seres humanos, que de tanto repetir parece normal.
Aumentei um pouco mais o volume do som e fingi não perceber as pessoas ao redor... de olho no trânsito, era automático o movimento de acelerar o carro e desacelerar, indo no embalo da sinfonia do trânsito da cidade. A vida passava devagar naquela manhã.
As pessoas em seus carros conversavam, algumas sorriam, outras olhavam as horas com inquietude preocupadas em chegar na hora. O tempo não passava. A vida, simplesmente era igual.

Depois de algum tempo perdido na lenta marcha dos carros, como se estivéssemos numa marcha de um filme de Stanley Kubrick, em que os objetos se mexiam harmoniosamente ao som de uma sinfônica, mas na minha realidade, a única música que tocava era o barulho da cidade, cheguei ao trabalho. Liguei meu computador, acessei o login sem pensar, os dedos simplesmente sabiam as teclas que deveriam tocar, como um músico que ensaiara por diversas vezes a sua música e na hora do show sabia exatamente o que fazer, sabia tanto que tinha perdido o tesão de tocar aquela música, pois não havia mais emoção, apenas a repetição mecânica para não desafinar e errar.

Nos dez primeiros minutos tudo parecia tranqüilo, as responsabilidades com a sempre crescente papelada, o som de um bom dia automático e enjoado, revelando que a pessoa era obrigada a dizer aquela palavra e a outra obrigada a responder...

De repente faltou-me ar, os dedos pararam nos teclados e a única coisa que eu conseguia ouvir era o bater acelerado do coração: eu tinha perdido a capacidade de imaginar.
Não conseguia abstrair nada, a mera reflexão, ou um pouco de sonhos, nada! Tudo aparecia para mim como o presente nu e cru, como num niilismo sufocante. Olhava para a tela do computador e simplesmente sabia o que devia fazer, olhava para a hora e sabia que horas eram, eu entendia o mundo que me cercava. Eu não conseguia imaginar o mundo, sonhar soluções, procurar significados ou pensar no futuro. A capacidade de imaginação foi roubada por alguém que não sabia, não lembrava. Alguma criatura mágica roubou algo tão precioso de mim, que fazia agüentar o tédio de uma vida sempre igual e com os compassos marcados. A reflexão também tinha desaparecido. Eu vivia, apenas isso.

Tentei imaginar coisas simples, desde qual seria o placar do jogo, até realizar um sonho. Nada aparecia em minha mente, eu tinha virado um simples reprodutor de atitudes que eu já sabia aonde levariam. Não pensava em conseqüências, em medos, em prazeres. Vivia.

Olhava para minha mão e via todas as linhas, entendia o significado de cada linha, mas não conseguia pensar nisso, apenas reproduzia. Durante muito tempo eu tinha tentado escrever como o Ernest Hemingway, mas a capacidade de imaginação, agora afetada, prejudicaria o desempenho de um soldado das idéias e dos pensamentos mais obscuros. Tinha perdido a capacidade de sonhar.

Sem rumor, sem poder saber o rumo, sem refletir sobre o que era bom para mim... Esse emprego me agradava? Minha vida é de felicidade? Para onde irei? O que fazer com este livro? Aonde chegarei fazendo isso?

Todas as perguntas ficaram sem resposta, como também sem resposta ficou minha vida. Entrei na dança das pessoas comuns e normais, que vivem esperando uma resposta pronta para tudo, e não procuram nada que lhes agrade. Passei a sobreviver em cada dia.


Minha produtividade aumentou, minha concentração também, nunca mais perderia tempo com besteiras e coisas que não sejam relevantes, eu tinha virado um escravo de meu próprio pensamento, prisioneiro da própria rotina e dos medos tão mal consolidados. Sobrevivia, mas não vivia.

sábado, 12 de outubro de 2013

Devagar

De grão em grão a vida vai se construído
De pouco em pouco vamos vivendo
E neste passo devagar as coisas vão passando
E quando finalmente percebemos, não é a vida que vai devagar

É o nosso ritmo que é diferente.

sábado, 5 de outubro de 2013

ESCADAS


A velha segurava com força o corrimão da escada. De certo que sua força não era como antes, mas ela ainda continuava forte. Sua vida foi reduzida a quase incapacidade de viver depois de tanto tempo e tantas doenças, mas mesmo assim ela era capaz de encarar seus desafios e superá-los. Agora tinha mais um, descer estas escadas.
Quando menina descia esta mesma escada num pulo só, pegava impulsão e jogava seu corpo para frente. Não se machucava, não se feria, apenas tombava e o tombo a deixava feliz. Limpava a roupa e saia correndo para brincar com seus amigos na rua. Naquele tempo não era capaz de olhar para o futuro e se imaginar velha, mas hoje ela é capaz de olhar para o passado e para o futuro e saber exatamente o que aconteceu e o que vai acontecer. A vida passou como um filme, e quem a ver hoje não é capaz de imaginar que já foi bonita, simpática, guerreira, inteligente e que teve vários homens em sua vida. Quem olha para a velha tem pena, tem carinho, mas é capaz de entender a sua vida.
Desceu o primeiro degrau. Este foi fácil, as pernas embora lentas e pesadas respondem bem ao primeiro comando. A força no braço é o segredo, segure com força o corrimão, coloque a primeira perna e depois a segunda sem pressa, tente não perder a força segurando o corrimão. Você pode até tropeçar, mas não cairá se estiver firme no corrimão. Ela olhou para o fim da escada e percebeu que tinha muito o que fazer ainda, outros degraus precisavam ser vencidos, impulsionou o corpo para mais um degrau.
Na época em que descia com um pulo essas escadas, ela também conheceu outra escada, mas esta venceu a criança. No dia do santo da cidade seus pais a levaram para receber a bênção do padre e a fizeram subir aquela escadaria enorme da igreja. Seus pulos não funcionariam, o sol a cansava só de olhar e toda aquela multidão clamando aos céus e pedindo proteção a assustava vertiginosamente. Na entrada da igreja seu pai e sua mãe ficaram de joelhos, sem saber o porquê ficou também e os imitou naquele sinal de respeito. Todos os anos ela fazia a mesma coisa, não sabia, mas a mania de ajoelhar e pedir proteção na porta da igreja ela aprendeu com os pais, faz parte daquela infinidade de movimentos que copiamos sem saber quando surgiu e de quem surgiu.
Venceu o segundo degrau. Respirou fundo e sentiu o vento que descia daquelas escadas. Seu cabelo branco levantou-se, seu vestido balançou e seu medo não apareceu. Todos os dias era a mesma coisa, descer aquela escada sozinha, só ela e os degraus. Não tinha medo da morte, mesmo sabendo que uma queda poderia ser fatal. Não tinha medo da cama, não tinha medo de nada.
Enfrentou mais um degrau, o terceiro. Lembrou que na sua festa de 15 anos esta mesma escada foi a que enfrentou até chegar ao terraço lá em baixo. A casa estava cheia de gente, todos alegres. Seu pai já estava bêbado e procurando coragem para dançar a valsa. Ela olhou para aquela escada e teve medo. Não teve medo de descê-la, mas de ver o que a esperava no fim dela. Sua prima segurou o fim do vestido, ajudou-a a tomar coragem e perna por perna foi descendo aquele mar de pedras. A cada descida seu coração palpitava mais forte e tinha a sensação de que cairia a qualquer momento. Não caiu. Nunca caiu naquela escada. Quando chegou ao fim e que viu a multidão, seus olhos encheram de lágrimas e seu sorriso despontou no rosto. Foi recebida com abraços, uma salva de palmas e gritos de viva!
Desceu mais um degrau, o quarto. Fez uma pausa e olhou para o fim da escada. Estava próximo. Estava próximo o momento de descer tudo e finalmente poder viver aquele seu dia, só subiria novamente para almoçar. Mas até lá já estaria descansada. Respirou fundo, se equilibrou mais e desceu mais um degrau. O quinto.
Lembrou de sua formatura, seria professora. Com o canudo nas mãos desceu as escadarias do teatro que a separavam de seus pais. Naquele momento ela olhou para as escadas e sabia que as venceria, já estava com o diploma, o mais que viria seria vaidade. As lágrimas escorriam de seus olhos sem pausa, seu corpo tremia mais que tudo e seu coração pulsava algum enredo de carnaval, porque sua batida era frenética.
Abraçou seus pais e teve orgulho de si. Seu pai teve orgulho, sua mãe teve orgulho e ela teve mais uma vez orgulho.
Desceu o sexto degrau. Dessa vez não precisou esperar muito. Do quinto para o sexto aproveitou o embalo e simplesmente se deixou levar. Mas não poderia fazer isso sempre, o grande perigo ainda não foi vencido.
Desceu o sétimo degrau. As escadarias da igreja mais uma vez seria seu obstáculo. Vestida de noiva teve que subir alguns degraus. Vencer aquela tarefa não seria fácil, o vestido pesava muito, tinha muitos babados. O sorriso não deixava de sair de seu rosto e a ansiedade das pessoas dentro da igreja era capaz de sentir ali fora. Com o buquê nas mãos foi vencendo degrau por degrau, subir aquilo tinha sido a coisa mais difícil que tinha feito até então. Mas não teve medo, teve uma incontrolável felicidade, tanta, que não percebeu que subiu uma escada. Aquela visão, aquelas pessoas, aquele momento, tudo ficou em sua memória, foi capaz de lembrar do cheiro da natureza daquele dia durante vários anos.
Desceu o oitavo degrau. Nem sinal de um braço para ajudá-la, nem sinal de pessoas no piso a aguardando. Aquela missão seria a sua missão. Mas também, se alguém aparecesse naquele momento ela recusaria a ajuda. Desceu tudo aquilo sozinha e agora não precisava de mais ninguém, poderia descer sozinha dos degraus.
Neste momento as duas mãos estavam segurando o corrimão. Seu cansaço já era grande, suas pernas estavam ainda mais lentas e aquele exercício a fatigara imensamente. Mas estava próximo do fim.
No nono degrau não lembrou mais de nada e no décimo e último apenas suspirou com o fim. Ficou quieta olhando o terraço e a grade que a separava da rua.

Caminhou lentamente sem apoiar os braços em nada, não precisava mais. Segurou a sua cadeira de balanço e arrastou um pouco, era pesada. Arrastou mais um pouco e a deixou no lugar que gostava. Sentou-se. Estava ali, sentada no seu terraço, ali onde cresceu e viveu a vida toda, ali onde teve alegrias e tristezas. Agora era velha, não tinha muito o que dizer. Sentada, observava a vida na rua passar, olhava para fora, olhava a vida que fervia ali, depois das grades. Seu tempo é outro.

domingo, 29 de setembro de 2013

Tortura


Escrever pode parecer um ato de libertação, porém o escritor é um prisioneiro. Enquanto ele pensa que está livre botando para fora aquilo tudo que está entalado, engasgado ou preso que quer sair e ganhar forma no papel, ele está cada vez mais preso à procura da perfeição.
Quando começa a escrever ele se alivia no início e no fim. No início porque está conseguindo botar no papel aquilo que o atormenta. No fim, se alivia porque finalmente concluiu o texto.
O meio do texto é só tortura, é pesadelo, é suor, trabalho, sacrifício, morte, vida, vida e morte. Escolher palavras não é fácil, até porque elas não são presas fáceis, elas lutam paa não sair, para não ganhar corpo e viverem longe de seu dono. Enquanto o escritor sufoca porque as palavras não querem sair dele e desengasgar a sua respiração, ele pestaneja, chora, delira e desiste várias vezes e volta outras várias para o famigerado trabalho.
Aqueles que dizem se libertarem escrevendo, só pensam no fim do texto, o meio fazem questão de não lembrar. As palavras torturam. Nenhuma liberdade vem sem luta.
Mas nem sempre o fim é o fim. Dez anos após ter escrito aquele texto o escritor volta a lê-lo, acha bobagem, encontra erros e sente vontade de rasgá-lo, enterrá-lo e sente-se envergonhado pelo que produziu. O texto volta a torturá-lo. Ele não pode fazer nada mais. O texto vive no coração das pessoas, sua vergonha de hoje é o mote de muitos.
O escritor negará seu texto bem mais que três vezes, dirá que hoje escreveria diferente. O texto seria melhor, não sairia assim jamais.
Um texto nunca termina, por algum momento o escritor pode achar que concluiu, mas basta os anos passarem que ele verá todos os textos como rascunho, lixo e como um traço mal escrito de sua alma

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Todo dia era dia de índio.

Parabéns ao índio! Não aquele índio de estereótipo dos filmes Hollywoodianos. Não aqueles índios que no tempo do colégio as professoras inocentemente nos faziam colocar o cocar, ou uma pena, para ficarmos brincando, como que cultuando uma falsa união das três raças. Não o índio branco, amarelo ou pálido dos Romances da época do Romantismo Brasileiro, que numa vertigem desenharam o índio bom, o índio moço, o índio católico e herói, sem de fato debater seu extermínio. 
Sim eles foram exterminados, escravizados, expulsos de suas terras e seus direitos... Diretos? Seus direitos foram colocados ao relento. 
Um viva aos índios de verdade, não os caricatos! 
Um viva aos índios que foram obrigados a se matar para não terem que sofrer com trabalhos forçados impostos pelo homem branco. 
Um viva aos índios que contrariam doenças de branco.
Um viva aos índios que perderam sua identidade por causa de um processo de aculturação que definia a sua cultura, a sua língua e sua vida como Selvagem, primitiva e inferior.
Um viva aos índios do presente que lutam para terem seus direitos reconhecidos, sua cultura respeitada e suas TERRAS DEMARCADAS.
Todo dia era dia de índio.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Cartas de amor em época de sms




- oi amor, vc ta bem?

3 minutos depois...

- oi bebe, to otimo,e vc ta boa?

Alguns segundos depois...

- estou otima. Pq vc demorou a me responder?

um minuto depois...

- amor, to no trampo, fica complicado ficar no sms.

alguns segundos depois...

-mas nem pra me dar atenção? nossa, como vc ta frio....

cinco minutos depois...

- desculpe, mas no trabalho, meu chefe ta na minha cola, em casa falamos mais.

alguns segundos depois...

-ok, quando tiver tempo para mim a gente se fala.

tres horas depois...

-oi bebe, largou?

Dois minutos depois...

-ainda não, amorzinho. Largo em uma hora

Alguns segundos depois...

-ok, vou me recolher a minha insignificância.

Um minuto depois...

-oh amorrrr.

Uma hora depois...

- larguei, bebe, vc ta com saudade?

Alguns segundos depois...

- amorrr, to sim morrendo muito muito muito mesmo.

Alguns segundos depois....

-to cansado, pense numa pessoa com saudade tb, desde ontem ñ te vejo.

Alguns segundos depois...

-vem me vê hj, essa ausencia ta lasca.

Alguns segundos depois...

-vou comer em casa e depois eu vou ai, ta?

Alguns segundos depois...

-vem mesmo, vamos nos alimentar.

Uma hora depois...

-to em casa, jaja chego ai.

Alguns segundos depois...

-ebaaa, to esperando.

Alguns segundos depois...

-tava lendo no busao, antigamente os namorados se comunicavam por cartas que levavam dois dias para chegar, imagina?

Alguns segundos depois...

-não imagino, ñ sei como conseguiam, aff e muiiito tempo. Com um minutinho fico pra morrer de curiosidade

Alguns segundos depois...

-é, temos sorte.

Alguns segundos depois...

-sorte tem vc de me ter

Obs: as palavras não levaram acentuação de propósito.
Obs2: não há erros de português, o texto está perfeito assim. 

domingo, 24 de março de 2013

Estupro



Que abuso, querem devastar minha intimidade. Pegaram meus escritos, meus rascunhos e olharam atentamente como desnudando meu ser. Senti-me como uma mulher sendo devorada por olhares vorazes de homens famintos. Senti-me impotente, sem roupa e invadido na íntima privacidade. Meus textos são para meus leitores e não para meus amigos e parentes. Amigos e parentes me conhecem, me desnudam no dia-a-dia, o único lugar de libertação que possuo, o único lugar que posso metamorfosear as pessoas de meu convívio e homenageá-las ou chingá-las, não sei, tudo depende de meu humor, são nos meus textos. Meus!
Não sei quem deu tal permissão, invadir meu quarto como um posseiro, vasculhar meus livros e cadernos como detetive e desfolhar meus textos, meus textos como se fossem seus. Absurdo, no mínimo desrespeitoso e apavorante. Tanto trabalho que tenho para escrever um hora por dia, vejam, dedico um hora de um dia de 24 horas para fazer o que mais gosto. As outras 23 são um martírio, uma devassidão imensa e surreal, fico oco, recolhendo informações para colocar naquele papel branco e ameaçador.
Medo? Tenho muitos, no início tive medo do desconhecido, atualmente perco uns e vou ganhando mais. O que tenho mais medo agora, por exemplo, é que me desnudem novamente e eu fique desamparado sem saber a quem pedir ajuda. Estou completamente fraco e sozinho.
Quando estamos indo atrás de palavras para colocar no papel, não sabemos o que vai sair dali, talvez o que escrevi nem eu mesmo queira publicar. Mas é meu, eu decido o que fazer com aquele aborto literário.
Imaginem, me desnudar assim... Ainda sinto o coração tremendo e o suor frio descendo pela espinha quando a vi sentada na cama, olhos curiosos e boca entreaberta com admiração por ter descoberto meu segredo. Todos sabem que escrevo, mas não sabem como chego no que escrevo. Nossa, esta imagem ficará muito tempo em mim, um trauma, um estupro.

terça-feira, 12 de março de 2013

Exaltação do Recife nº 0




Exalto o Recife fedorento e esquecido das prostitutas e dos cabarés.
O Recife feio, que todos querem fingir que não existe, mas subexiste.
Exalto o Recife dos engarrafamentos e da pouca mobilidade
Que todos protestam para resolver e ninguém resolve.

Exalto o Recife do calor infernal, que de rio tem o Capibaribe que já virou canal. .
Exalto o recife dos camelos, dos ambulantes e dos feirantes
Que vendem produtos de baixa qualidade
Nas vielas e becos históricos.

Exalto o Recife escondido debaixo das Pontes
Esquecido nas páginas policiais
O Recife bom, o Recife velho é apenas uma metáfora
Nas fotografias e mentes dos Recifenses.

Exalto o Recife das grandes construtoras que compram os casarões
E constroem edifícios modernos, apagando a história

Exalto o Recife que ninguém quer que exista e todos querem
Que não viva.
Mas ele pulsa, ele fala, ele sobrevive e procria
Nas ruas e becos, nas falas e gestos
Nas páginas dos jornais
Nas lamas e nos quintais.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Cola



Eram 16:30, o sol já perdia sua força na cidade do Recife e as pessoas começavam a recolher-se para suas casas após um dia inteiro de trabalho. O ônibus parado em frente à praça do Diário tinha poucas pessoas, mas, em breve, estaria cheio. Subiram quatro pessoas nesta parada e o motorista deu, por fim, a partida. Subiu um senhor de 60 anos com uma sacola imensa nos braços, na certa era ambulante. Carrega nas costas o peso de seu trabalho e no rosto o peso de sua idade. Começou cedo a trabalhar. O pai, que era comerciante do Recife em tempos áureos, criou todos os filhos assim e deixou para o mais velho, como herança, a disposição para ganhar a vida.

O senhor não percebeu, mas na penúltima fileira havia um garoto cheirando cola, o cheiro podia ser sentido por todo o coletivo, mas o garotinho era quase invisível e o senhor acreditou que o cheiro vinha pela janela, já que naquela região a delinqüência era muito grande.

A senhora evangélica, que subiu logo atrás do senhor, percebeu o moleque quando andava pelo corredor do ônibus procurando um local para sentar e, ao avistá-lo, freou o passo e procurou um local pelo meio do ônibus onde poderia ficar segura. Era evangélica e acreditava que todos os males do mundo provinham da falta de Jesus na vida das pessoas. Ficou tentada a levantar e ir ler um Salmo para o “cheira-cola”, mas teve medo. Abriu um saco de pipoca e esqueceu do mundo. O cheiro de cola misturado com o cheiro da pipoca causaria um enjôo, guardando, em breve, a pipoca na bolsa para comer mais tarde.

O menino continuava lá atrás, quietinho, cheirando sua cola e olhando a janela vendo o nada. Seus bracinhos, seguravam a garrafinha com cola de forma maestral e, vez ou outra, ele dava uns relances de mudar o rosto de posição, ajeitar-se na cadeira e fitar as pessoas que entravam no ônibus.

A terceira pessoa a entrar foi uma garota com um fone no ouvido. Cabelo preso, calça jeans, camisa regata e óculos escuro. Sentou na última cadeira do coletivo, mas logo se arrependeria.  Percebeu o menino do lado oposto ao seu cheirando cola. Não teve medo, mas teve raiva. Queria matar todos os marginais de rua e inclusive aquele garoto. Se tivesse uma arma ali mandaria aquele garoto descer na base da pancada, e ai dele se não descesse. Aumentou um pouco o volume da música que ouvia e logo ficou enjoada com aquele cheiro, mas já seria tarde para mudar de lugar, pois o ônibus logo estaria cheio. Seu enjôo, descobriria mais tarde, também tinha a ver com sua gravidez ainda desconhecida.

O garoto não se incomodou com a menina, não a fitou. Olhava pela janela enquanto ela passava. Seus olhinhos vazios não pensavam e seu ser não sentia nada. Cheirava apenas, consumindo sua existência naquela garrafa.

A quarta pessoa que subiu foi um rapaz de 28 anos. O homem vinha procurando emprego e seu semblante refletia uma agonia infinita. Estava desesperado para ter, por fim, orgulho de si. Jamais tentaria suicídio, adorava muito viver e queria mostrar do que era capaz. Não tinha muito estudo, mas tinha muita determinação. A sua pele preta e seu cabelo enrolado eram sua identidade. Assim que passou pela catraca percebeu o marginal, e teve medo de ser roubado. O garotinho preto parecia bastante ameaçador. Sentou na primeira fila para não correr perigo de ser perturbado, e desejou imensamente que quando fosse descer aquele pivete não mais estivesse no ônibus.
O motorista parou em dezenas de paradas e em cada uma subia mais gente, até que chegou um momento que não subia mais ninguém, apenas iam descendo, aos poucos, os passageiros até o ônibus chegar ao seu destino.

O ônibus foi ficando lotado de uma hora para outra, e aquele cheiro de cola intrigava os passageiros da frente e intimidava os que sentaram atrás. A poltrona ao lado do garoto foi a última a ser ocupada. Um jovem desatento, com bolsa e farda, foi o último a sentar e não viu quem estava sentado ao lado. Só percebeu quando o cheiro de cola entrou por suas narinas e foi então que viu aquela figura grotesca alimentando suas narinas com aquele odor fétido. Se tivesse visto jamais sentaria ali, teve medo de perder seu relógio e de sujar a farda.

Na poltrona de trás do “cheira cola”, sentou uma mulher com um bebê de colo que esbanjava sorriso e distribuía beijos para a mãe. A criancinha, miúda como uma formiguinha, não falava, não tinha dentes e não percebia nada ao seu redor que não fosse cor e som. Não teve medo, não teve raiva, apenas sorria. A mãe, um pouco preocupada, tentou mudar de lugar, mas desistiu quando o motorista deu partida e o risco de cair com o bebê era muito grande. Os passageiros que foram em pé, olhavam a criança e ficavam encantados; os da lateral da mãe deram duas ou três olhadas e resmungavam do cheiro insuportável de cola.

O marginalzinho olhou o bebê nos olhos, mas seu olhar não tinha força de expressão, era um olhar triste e caído de quem tinha sono, muito sono. Não sabemos o que pensou aquele delinqüente, só sabemos que ele olhou fixamente e depois cheirou mais uma vez o tubo de cola.

As pessoas viam o garoto e depois não queriam mais vê-lo: era feio, cheirava cola, fedia e tinha piolhos. O homem mais alto do coletivo pensou em sentar no lugar do marginal, mas teve medo da reação das pessoas, já que ninguém reclamava e a viagem seguia.Pensou que todos estavam tolerantes com aquela cena grotesca. A viagem seguiu num silêncio sepulcral: os da frente intrigados com o cheiro da cola, os de trás com medo, ódio e revolta. O silêncio maior era do garoto, que não percebeu o ônibus encher de gente, nem percebeu o ódio no olhar das pessoas.

A sinfonia da viagem era o barulho do motor, as buzinadas da rua e os passos dos passageiros.

Um homem bem vestido, sentado no meio do coletivo, olhava inquieto para os lados e para frente. Parecia não conhecer o lugar e indagava para si onde deveria descer. Não sabia e não perguntava. O pavor aumentou quando o ônibus encheu e ele não sabia a quem perguntar.

O garoto olhava para a rua, coçava o nariz e não exprimia mais reação. Não tinha medo, não tinha calor, não pensava, não tinha sonhos. Estava ali, inerte no meio daquelas pessoas importantes.

A viagem foi longa, o cheiro de cola deixou muitos passageiros embriagados. Mas este era o alimento do marginal, e ele estava compartilhando com os passageiros. Sim, ele que não tinha nada, nem onde cair morto, compartilhou a sua única alimentação do dia com todos os passageiros do coletivo. E cada um deles, trabalhadores ou não, que comiam três vezes ao dia, que dormiam numa cama forrada de lençol e podiam pagar a passagem do ônibus, não dividiam suas comidas com ninguém, mas neste momento estavam ali, recebendo o néctar da criança.

O garoto, que por instantes era notado, mas depois era invisível, se morresse ali ninguém iria socorrer; se gritasse de dor ninguém se importaria, deixariam que este ser tivesse o fim que merecia. E num ritual de completa solidão, o garoto que pegou aquele coletivo por acaso, cheirava sua cola imberbe e perdido. Não tinha forças, não tinha brilho, não tinha nada. Abriu um dos braços como que querendo dormir encostado na janela – ninguém notou – se acomodou mais naquela cadeira e deu uma tragada mais forte no tubo de cola.

Abaixou a cabeça, fez o sinal da cruz e prosseguiu na sua viagem. Não tinha nome, não tinha história, não tinha vida. Aquilo que ele era não tinha definição. O motorista acelerou mais o ônibus, agora que saíra do engarrafamento podia recuperar o tempo perdido. Limpou o suor da testa e ligou o rádio que tocava uma destas músicas que exaltavam as belezas da vida.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Rapidinha.



E quando você encontra, ou reencontra outros escritores que trabalham produzindo artes poéticas para ninguém, ou quase ninguém, você se pergunta se é um encontro de poesias inacabadas ou poetas inacabados. A dúvida e o “ou” constante são apenas o mínimo reflexo da confusão que paira na mente deste ser que respira um verso, mas quase sempre cospe vogais soltas e num encontro desses, com velhos parceiros, simplesmente quer cuspir tudo o que digeriu do papo poético que teve.
A escrita perpassa não só pelo trabalho árduo de você conseguir colocar no papel o que sente, é também, ser capaz de transmitir para outros o que você pensa e aprender o que eles pensam. Sentamos num bar, conversamos pouco, os dias corridos roubam tempos de prazer e as palavras que gostaríamos de ter tempo de escrever: as palavras saem, mas surgem fatigadas pelo dia longo de cansaço.
Amizades não morrem, esfriam e basta uma chama que reacende. Nosso tempo de vida exige o ontem, pois para chegarmos no dia de amanhã devemos nos antecipar e termos “know how”. Já no tempo dos amigos, vivemos o ontem, pois o amanhã pode não chegar e precisamos dizer tudo que temos para dizer naquele curto espaço de tempo a que chamam de lazer.
E o tempo passou rápido, e como passou rápido, mal nos cumprimentamos na chegada com abraços e sorrisos, e já nos despedíamos prometendo um até logo, mas o até logo não tem um dimensão concreta e pode levar outros longos anos...

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Neutro? Nem sabão em pó, camarada.



A primeira vez que ouvi esta frase foi em 2008 quando eu era um pobre neófito no movimento estudantil e um amigo refutou a tese de outro que se dizia neutro na política. Essa frase me acompanha até hoje e já foi minha reflexão durante muitas horas, inclusive quando tentava dormir. Inevitável, quando ouço alguém bater no peito dizendo que é neutro, eu lembrar desse acontecimento, soltar um risinho e ficar com pena da ingenuidade dessa pessoa.

A neutralidade, que muitos se gabam em ter, na verdade não existe: neutro nem sabão em pó, camarada. Todo mundo carrega na sua vida um posicionamento sobre algo, algum aprendizado, alguma cicatriz ou algum valor que ao ver determinada situação pode demonstrar uma atitude brutalmente conservadora ou francamente libertária. Esse lampejo reacionário ou de esquerda não é estereótipo, são fatos, você, eu, todos nós podemos ter comportamentos, emitir frases, ou compartilhar uma visão que seria de determinada categoria política e isso não te faz ser dela, mas simplesmente mostra que você a reproduz, nem que seja indiretamente. Todos nós em algum momento da vida já tivemos atitudes que foram conservadoras ou não.

Para quem se diz neutro, ter um comportamento julgado como de esquerda ou de direita é uma afronta. Ele fica chateado, bate no peito e diz: “ ah esses revolucionários com seus estereótipos, eu sou neutro rapaz, não tenho comportamento conservador nem de esquerda, sou acima disso tudo”. Neutro? Nem sabão em pó, camarada.

Você pode ser imparcial, neutro jamais. A imparcialidade é não tomar partido, ou simplesmente ficar fora de levantar bandeiras ou expressar apoio a causa A ou B. Ser imparcial não é ser neutro, simplesmente porque neutro não existe. Você pode não ter bandeira nenhuma e mesmo assim ser um autêntico cara com idéias de esquerda, ou de direita, ou ambas, não importa.

No direito, muitos acreditam no mito do juiz neutro, que o juízo não pode tomar parte na causa, que deve decidir com neutralidade e etc. Troque neutralidade por imparcialidade e a frase fará sentido. A justiça precisa de juízes imparciais, que não tomem parte durante o processo (na vida privada ele pode sim ter um lado de preferência). O juiz imparcial é justo, trata com eqüidistância as partes e dificilmente comete injustiças.
O juiz neutro é uma lenda como a do saci pererê, não existe e jamais existirá, porque a neutralidade é algo impossível de se alcançar.

Somos seres humanos e como tal acabamos simpatizando com uma tese A ou B, isso não nos faz sermos partidários de A ou B, simplesmente simpatizamos. E essa simpatia não quebra a imparcialidade, você é imparcial, mas concorda com B, mas não milita com B. Porém, neutro jamais você será, pois você pensa, você vive, você transmite idéias e convence.e neutralidade é a ausência de idéias e pensamentos. Portanto meu amigo, sem esse papo furado, e sem vitimização, muito menos tentativa de heroísmo barato para tentar se vangloriar perante os outros, pois neutro, camarada, nem sabão em pó.

sábado, 12 de janeiro de 2013

O único interesse dos EUA na Venezuela é o petróleo!



O petróleo Venezuelano foi o quintal dos EUA durante praticamente todo o século XX, até que, em 1999, Hugo Chávez decide fechar as torneiras, não do petróleo, mas dos lucros e dividendos que este produto trazia e passa a investir na melhoria do seu país. A Venezuela sempre ficou entre os primeiros lugares na produção de petróleo, até que recentemente foi divulgado que ela é a maior produtora mundial de petróleo cru, superando a Arábia Saudita.

Acredito que todos já estão sabendo que o Presidente Chávez, da Venezuela, está agonizando e sua morte é dada como certa pelos meios de comunicação. A morte de Chávez não é só a morte de um presidente que é anti-imperialista, ou que defende a União dos Estados Latino Americanos na busca de sua identidade, se Chávez morrer, esta será a morte de um presidente que controla a maior jazida de petróleo do mundo. O presidente que liderou a OPEP no início do século XXI, para que esta tivesse uma produção petrolífera estável a fim de não trazer instabilidade aos países produtores e conseguir um relativo lucro para ser investido. Além de ser totalmente contra a inferência dos EUA nos países produtores.

O petróleo é uma maldição! É assim como é conhecido o ouro negro. Maldição para os países pobres, pois a descoberta do mesmo nestes países só trouxe guerras, fome, desindustrialização e corrupção. Não há desenvolvimento, diminuição da desigualdade social ou progresso, tudo porque “ A maldição do petróleo” sempre operava em sentido contrário às promessas de melhoria. Ao longo da história mundial, a partir do momento que o petróleo começou a ser comercializado em escala global, a procura alucinante pelos países da Europa (Inglaterra e Holanda) e os EUA, relembrava a procura por terras que Portugal e Espanha tinham feito tempos atrás nas grandes navegações: dividiram o mundo entre os dois. Com o petróleo, as empresas petrolíferas, sempre a procura de baratear a produção e encontrar outras fontes de produção fora dos países de origem, para não esgotar suas jazidas, dividiram o mundo entre si, tanto na descoberta das jazidas, quanto na venda do petróleo, de forma que elas e somente elas pudessem produzir e lucrar com o petróleo.

Iraque, Irã, Cazaquistão, Kuwait,Venezuela, Nigéria, Argélia e Líbia estão entre os maiores produtores de petróleo do mundo. A semelhança entre eles? Nenhum deles possui um desenvolvimento de sua sociedade digno de nota. Antes da descoberta do petróleo tais países eram pobres, após a descoberta continuaram (me refiro ao povo, já que os governantes, durante o século XX eram corruptos e capachos dos EUA e criaram uma elite que tomava banho em banheira de ouro, enquanto o povo agonizava de fome), e então você pode perguntar, mas como pode acontecer isso, o petróleo vale muito dinheiro, países que produzem petróleo deveriam ter uma infra-estrutura melhor que qualquer outro país, desenvolvimento educacional e social diferenciado. Mas não é assim.

As grandes empresas que exploram o petróleo de tais países (excetuando a Venezuela que possui petróleo estatal) no momento da descoberta das jazidas prometeram levar investimentos, empregos, lucros e uma mudança social, mas isso tudo não foi verdade. Elas exploravam o petróleo ficavam com a maior parte do lucro e deixavam para o presidente (um capacho das empresas, uma fatia muito pequena dos lucros, que não dava para ser investido em muita coisa, era um roubo, assim como nas grandes navegações roubaram ouro e prata do novo mundo).

Todos esses países passaram por guerra civil, onde o interesse no petróleo era o pano de fundo para aquela população que se matava; o interesse dos EUA era manter as coisas como estavam. A dependência no petróleo como forma única de produção nesses países traz um enfraquecimento de seu parque industrial, suas moedas são desvalorizadas, seus governos se tornam corruptos e os governantes tentam ficar no poder eternamente, tudo com o Aval dos EUA. E quando o governo queria se tornar rebelde e não respeitar mais, eles alimentavam uma guerra civil ou invadiam simplesmente (Irã, Iraque, Kuwait) e depunham os ditadores colocados por eles mesmos e, se passando por paladinos da democracia colocavam outros ditadores que prometiam fidelidade eterna em troca de lucros eternos. E o povo continuava na miséria.

Na Venezuela o cenário era uma pequena elite muito rica e uma grande parte da população muito pobre, com alta taxa de analfabetismo e também, com alta taxa de mortalidade infantil. Tudo isso poderia ser ilógico se você levar em conta que a Venezuela durante todo o século XX era entre as três maiores produtoras de petróleo no mundo. O governo “democrático” não usava o dinheiro do petróleo para investir no país, a corrupção e os contratos que priorizavam as empresas Americanas deixavam o país na miséria, contrastando com os recordes de produção e venda do ouro negro.

Hugo Chávez, quando chegou ao poder mudou todo o cenário, acelerou a estatização das empresas petrolíferas, investiu os dividendos do petróleo em educação, saúde e infra-estrutura para a população, e desde sua posse, a desigualdade social tem diminuído vertiginosamente no país. Na Venezuela o analfabetismo é quase zero, e a mortalidade infantil também. Isso a imprensa imperialista não mostra. Durante todos os anos do governo tentaram derrubar Chávez chamando-o de ditador, que estava devastando a Venezuela, quando na verdade o governo dele trouxe a mudança social que o país precisava e o governo que a imprensa defende devastou e deixou a Venezuela na miséria.

Deram um golpe de estado no ano de 2002, prenderam Chávez, mas a população foi contra e no quarto dia da tentativa de golpe militar, que seria uma ditadura das elites, Chávez foi solto da prisão e reconduzido a governar o país de forma democrática. Tal tentativa de golpe é conhecida como “Puente Llaguno”; é  chocante ver a forma como as pessoas foram mortas pelos militares e como os meios de comunicação da Venezuela tentaram colocar a culpa em Chávez.

O governo de Chávez incomoda, primeiro porque ele controla a maior reserva de petróleo do mundo, e manda seus lucros para o desenvolvimento do país. A Venezuela não é uma ameaça militar a nenhum país, muito menos aos EUA.  Embora este país tenha passado por um desenvolvimento vertiginoso na última década, não se pode mudar em dez anos os cem anos de exploração e roubo que o país sofreu. Então fica difícil entender porque a Venezuela preocupa tanto os meios de comunicação e sua morte seria aplaudida de pé e a resposta fica clara quando você conhece a história do país: petróleo. Com a morte de Chávez ficará mais fácil para os EUA controlar o país, retomar a privatização da empresas e lucrar mais. Enquanto isso a elite sonha em voltar a nadar em dinheiro sem promover o desenvolvimento social necessário

A globo vibra a cada boletim que fala da saúde de Chávez, e o povo brasileiro sem entender também. Os jornais não se preocupam em informar, mas em desinformar e repassar noticias parciais da realidade do país e das mudanças que ocorreram. Uma pena, quem perde somos nós, vibrando para que Hugo Chávez morra sem saber quem de fato foi Chávez e torcendo para a devastação de um país.