domingo, 9 de setembro de 2012

Prêmio literário




E querem premiar a arte
 Como se pudéssemos
Colocar numa escala métrica
A métrica da poesia.

Querem eleger os melhores
E punir os piores
Como se na construção poética
Houvesse uma escala de Deuses e Semi-Deuses.

Querem destruir a arte entregando
Prêmios e qualificando com selos
Acadêmicos aquilo que não tem
Definição: a inspiração do poeta.

Querem glorificar a arte
Elegendo uma minoria sabichona
Da qual lhe falta
Entender o verdadeiro valor da poesia.

E de tanto escolher e de tanto saber
Vão esquecendo do poeta
Pobre e esfomeado que escreve versos
Para passar a fome.

sábado, 1 de setembro de 2012

Volta



Estava de volta à sua casa, olhava atentamente os móveis, já não estavam tão novos, mas continuavam limpos, sempre limpos, sempre sem um pingo de poeira.
A casa arrumada e velha mostrava que o tempo passava e que sua mãe não mudava. Encontrou naquelas paredes sua infância perdida. O cheiro de bolo passa agora pelas suas narinas, o cheiro de pão, o cheiro de salgadinho, o cheiro que sua mãe confeiteira carrega no suor e nas roupas: o cheiro de saudade invadiu-lhe o peito.
Andou pela casa tocando todos os móveis com a ponta dos dedos como se sentisse um pouco do passado, ou quisesse novamente deixar sua marca naqueles objetos de sua vida.
O seu quarto, que já não era seu, mas que estava intacto da forma que deixara estava arrumado, com livros nas estantes organizados por tamanho; a colcha e o tape formavam o cenário que jamais se apagará de sua memória.
Sentou na cama, olhou para tudo e teve uma vontade de chorar como fazia quando era criança, chorar de dengo, de saudade, chorar de morte, a morte de si próprio.
As lágrimas não queriam descer, suas lembranças começavam a invadir sua mente de forma quase a estuprá-la, ele resistindo, mas elas insistindo em entrar. Então seus olhos ficaram úmidos e por fim teve vergonha de si, vergonha de seu choro e vergonha de suas mãos que não são calejadas como a daquela mulher que lhe sustentara.
Desde o dia que partiu nunca mais voltara ali, sua mãe ficou sozinha e sua única forma de comunicação era por telefone em datas comemorativas importantes, eram divorciados de alma e pele.
Andou mais pela casa para sentir o gosto que já não provava fazia tempo, até que seu tio disse, Vamos, recolha seu terno, pois não podemos atrasar, Tudo bem, retrucou o homem ou o garoto? Não sabemos.
Recolheu seu terno, ajeitou a gravata e por fim sentiu que não era mais dali, sentiu que seu mundo não era essa e que essas lembranças foram besteiras sentimentais que acontecem uma vez na vida. Sentia que não era dali, mas sabia que algo seu ficou ali: por todos os lados sentia o cheiro de sua mãe, sentia o cheiro de bolo e sentia as marcas de suas mãos sujas de areia melando as paredes.
À caminho do hospital olhava silencioso a paisagem que o cercava e tinha vergonha de se dizer dali. Ia calado, sentado e encolhido no banco de trás como querendo esconder a cabeça. Olhava assustado e admirado com a paisagem que não mudara, que não crescera nem envelhecera. Parece que o relógio do tempo parou quando saiu daquela cidade tão infeliz. Sentiu mais uma vez que não era dali.
Entrou no quarto em que sua mãe estava internada, esta não o reconheceu, estava entre morta e viva, entre quase humana e uma deusa. Estava frágil, cabelos brancos, boca rasgada pelo sol e sem palavras para dizer.
Sentiu-se uma criança novamente, sentiu que precisava daquele colo, daquelas mãos em sua cabeça, daquele beijo, precisava sentir aquela pele quente lhe acariciar como a maior prova de amor que um ser humano dá a outro. Sentiu que era ele o fraco, mesmo sem estar doente.
Andou um pouco, se aproximou da mãe e meio reticente como sem saber o que fazer, sentou na beira da cama e ficou olhando-a com pena. O tio se afastou e deixou os dois a sós.
O filho não sabia o que dizer, não sabia por onde começar e não sabia onde terminara a última conversa que teve com ela. As conversas no telefone eram mero protocolo do qual já sabia de cor o que falar e o que perguntar, agora não sabia nada. Agora há sangue, há pele, há pessoas, há sentimentos. Não tinha uma palavra na boca, um gesto, um suspiro, nada! Não era filho dela.
Levantou, beijou a testa da velha mulher e tocou na sua mão. Há quanto tempo estes gestos foram feitos pela última vez? Ele não sabia responder.
Sentiu que aquela mão fria e macia o aprisiona, não deixa ele retirar a sua e não quer que ele vá. Teve pena de si.
Mas, mais uma vez ele foi feroz e não teve consideração, respeito e piedade: arrancou ferozmente a sua mão daquela cadeia e com um olhar de cólera desafiou sua mãe com um olhar superior. Ficou repetindo para si que ia embora,e por fim balbuciou, Vou embora. A mãe não respondeu, assim como não respondeu há 20 anos. Da outra vez ela segurou a porta e viu seu filho sumir da sua vista sem nem olhar para trás. Ela chorou por dentro. Ela morreu por fora.
Desta vez nada via, nada sentia, nada sofria.
Saiu da sala sem lágrimas nos olhos, sem arrependimento e com um sorriso amarelo no rosto, com uma sensação de dever cumprido. Sua função de filho foi executada, Agora só preciso voltar quando ela morrer. O tio dormia na cadeira sem preocupação. Deixou uma quantia de dinheiro no bolso da camisa do seu velho tio e foi embora sem olhar para trás.
Olhou o raio de sol que iluminava a calçada e seguiu seu caminho para fora do hospital: sua vida seguia, seu mundo girava, sua vida tinha um destino.