sábado, 5 de novembro de 2011

O papel da mídia na contenção social




Muita gente já percebeu que agora a periferia é algo que está mostrando as caras na mídia. O que vemos é uma chuva de denuncias contra ruas não calçadas, saneamento básico, praças não conservadas ou caminhão do lixo que não passa nas ruas. O projeto que tenta fazer o povo mostrar sua voz e sua cara na televisão e mostrar os “problemas” pontuais a que passam os bairros, na verdade são uma tentativa de calar a voz dessa população a margem de seus direitos com ganhos pontuais que não mudam sua condição de vida, trazendo uma falsa sensação de participação numa sociedade excludente e que deseja a segregação e apaziguamento das periferias.

O que empresas como a rede globo nordeste vem fazendo, juntamente no seu programa NE/TV é algo que vem sendo feito pela emissora em vários lugares do Brasil. Além de perceberem que as classes c e d dão audiência, uma forma de abocanhar esta fatia considerável dos consumidores de imagens (também em TV digital) é ir lá, no seu bairro, mostrar sua rua não calçada e cobrar do prefeito a “melhoria” de suas vidas.

Claro que todo mundo quer sua rua calçada, coleta regular e um bem estar de vida que possa lhe dar qualidade no seu dia-a-dia, mas a “cobrança” da mídia, na verdade, não passa de uma máscara para dirimir conflitos sociais e ao mesmo tempo servir para a empresa a falsa imagem de  paladina da justiça e verdade perante a população.
 O papel da imprensa é muito forte, uma matéria veiculada numa emissora em um horário nobre é influenciadora de milhares de pessoas. E esse poder não é negligenciado por elas, tanto é que comerciais são mais caros em certos horários. Acontece que, numa busca para ganhar audiência das concorrentes, que no mesmo horário passam programas com níveis de audiência também altos, exemplo de cardinot e Cia, criaram uma forma de o povo sugerir, denunciar e a reportagem ir lá resolver o “problema” de seu bairro.

Qualquer intelectualóide de esquerda (ou os que se dizem) reclamam que o povo é alienado e que não participa da construção da democracia, ou não clamam por seus direitos. Agora, com esta “preocupação” da rede globo em ir ouvi-los e solucionar os infortúnios por que passam, não podemos criticar a forma como a tão sonhada participação do povo na democracia vem se dando.

Esta forma de abordagem e solução esconde uma contenção de demandas. Uma rua não calçada é certamente um tormento, mas com toda a certeza o problema da localidade não é só esse, aparente aos olhos; há problemas estruturais que não são debatidos com a população, trazendo a falsa conformação de que eles apenas precisam de uma rua calçada para serem felizes.

O processo de conscientização já é de todos conhecido, não é mola mestra da mídia, muito menos da rede globo, portanto esta caridade feita é apenas uma ponta de iceberg que tenta dirimir conflitos e trazer uma falsa sensação de paz. Morar na periferia não é ruim se você tem um esgoto bem tratado e o lixo passando na rua, é o que querem mostrar.
Mas eles não tem o intuito de debater e problematizar para os governos e as populações problemas anacrônicos, como demandas sociais por moradia, ou a conscientização do voto, ou a importância de uma organização comunitária para efetivar contendas e problemas que de fato são necessários para a comunidade. Ajeitar uma praça é ótimo, mas trabalhar na educação de jovens e adultos e não só isso na sua conscientização e no oferecimento de condições para que tenham suas vidas melhoradas não é debatido e tão pouco proposto.

A sensação que tenho é que estes programas de televisão tem um acordo com os prefeitos: “só vamos pedir que calcem as ruas, não vamos pedir uma educação de qualidade, fique tranqüilo.” E neste jogo de fantasias a mídia vai ganhando respaldo, a população vai tendo suas necessidades aparentes satisfeitas e as contendas vão sendo dirimidas trazendo uma falsa sensação de que tudo está bem no Brasil e nas periferias, porque lá já calçamos as ruas.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

nada

Deu vontade de escrever algo neste blog, de repente vi que era apenas vontade pois as apalavras não chegram. Faltou o mote inicial, então divago a propósito do que seria escrever, se um puro tesão ou a elaboração de um querer. 

segunda-feira, 25 de julho de 2011

As mulheres que conheci





As mulheres das quais tenho contato
E não são poucas
São tão contraditórias e confusas que chego
A me perguntar se não seriam todas irmãs
E filhas umas das outras

As mulheres que conheci não tinham sonhos na vida
Não desrespeitavam seus maridos
Não levantavam a voz
Eram fies donas de casa, faziam a comida
Organizam o lar e educavam os filhos

As mulheres que conheci
Eram o exemplo que a sociedade quer e recomenda
Que sejam.
Não tinham sonhos, não tinham objetivos
Suas alegrias eram as alegrias dos outros
E sua vida se resumia a comentar
A vida dos outros

As mulheres que conheci apanhavam dos maridos
Se calavam com cada soco
Chute e agressão
Suas vozes eram silenciadas pelo medo
Pela vergonha, pela falta de opinião
As mulheres que conheci estão mortas
Enterradas em algum lugar
Esquecidas em todo lugar.

domingo, 20 de março de 2011

O retrato



  Homenagem a Isabel Allende

Aurora estava diante de si, admirando a beleza que já foi e não está mais em seu rosto. Ela era, de fato, bonita. Tão bonita que poderia fazer filmes de princesa. Já estava com 50 anos e nunca fizera uma plástica, dizia a si mesma que jamais faria: “a beleza que não for natural não é beleza, não é obra dos Deuses. Seria como eu ser uma falsa inteligente que tira 10 sempre colando nos exames".
E, conforme diz, ela deixa o tempo corroer sua pele, levar a altivez de sua pele e junto sua imensa felicidade, mas era tudo natural, inclusive a beleza que restava.
Adorava sorrir, sempre. Hoje não rir mais como antes.
Desde que surgiu sua primeira ruga começou sua obsessão por fotos. Queria resgatar sua beleza, ao menos na memória, nas fotos.

Lembrar que foi bela. Desde então, passou a procurar fotos suas com 10, 15, 25, 30 anos. Toda sua mocidade foi resgatada; fotos empoeiradas, gastas pelo tempo, todas estão digitalizadas, reconstruídas.
Já não há mais parede em seu apartamento de 120m² que caiba uma só foto, ou quadro de sua vida.
São 20 quadros e mais de 2000 fotos. Mas ainda não se sentia satisfeita. Cada foto nova, cada foto que vê, lhe imprime uma alegria de seu passado glorioso. Casou, teve filhos, sua beleza perdurou por mais um tempo, porém chegou um momento que teve um choque do desgaste da vida, da vida de mulher.

Uma angustia, uma inquietação ferve em sua alma; é como se o temor de envelhecer fosse pior que o da morte. Se tivesse morrido jovem estaria tranqüila, não se veria assim. “É por isso que Narciso acha feio o que não é espelho; ele jamais envelheceu. Se envelhecesse jamais iria se olhar na velhice, é deprimente.”

Encontrava-se sentada no sofá olhando as fotos da sala, quando lhe veio este pensamento e junto com ele veio uma idéia magnífica.
Procurou todos os espelhos da casa, quebrou-os todos. O grande, que ficava em seu quarto, que a assistiu aos 15 anos provando seu vestido de debutante foi o primeiro a sucumbir a sua ira. “Não me verei mais. Não verei mais o castigo do tempo. Apenas contemplarei o que fui, não o que sou e serei. Se precisar ver se estou linda, olharei para minhas fotos. Espelhos não argumentam, são totalmente precisos”.

Esta nobre dama, que foi vaidosa, mas não foi a pior das vaidosas, faleceu com 70 anos. Estava num hospital, morreu de diabetes. Desde os 50 anos jamais se vira no espelho novamente, jamais batera fotos. Todas as fotos que possuía foram até sua primeira ruga. De então, evitava festas, ficava em casa com as fotos. Consigo mesma.

Sabendo que iria morrer, chamou um de seus filhos e disse:
- Irei morrer. Não chore. Se for chorar, não chore pela velha, chore pela jovem que fui. Não quero no meu enterro caixão aberto, deixe-o fechado. Em cima dele coloque minha foto, aquela que estou com um vestido branco, sim o que usei nos meus 15 anos. Belo vestido...

domingo, 13 de março de 2011

A cruz e o destino


    
                                                                        Homenagem a José Saramago

 - Estou falido!- disse o empresário. O seu negócio ruiu, não por incompetência deste, mas pelas garras do destino.  Do destino financeiro, que é ainda mais cruel que o destino dito pessoal. Porque neste, suas ações erradas hoje, refletem num futuro à vezes um pouco distante. Já no primeiro, as ações erradas hoje podem refletir hoje, daqui a pouco, amanhã é incerto o momento e o impacto. Pode levar uma fortuna de milhões a nada, uma família a sarjeta, um homem a loucura.
- Eu tenho amigos, tenho influência, logo voltarei ao meu poder.
Falou isso segurando o papel do banco que comunicava a falência de sua empresa. Nela já não existia móveis, tudo estava recolhido. Exceto seu terno que acabara de apanhar do chão para ir embora.
- Pelo menos me sobrou este.
Pegou a sua pasta e saiu da sua firma, melhor, ex-firma. Retirou o celular do bolso e ligou para um amigo a fim de comunicar o ocorrido e pedir ajuda.
- Droga está na caixa postal. Alô, Julio aqui é o Pedro, quando puder ligue para mim.
Saiu andando pela rua. Estava muito contente para alguém que faliu. Sua alegria tinha motivo, ele estava certo da ajuda que iria receber dos amigos, afinal, todos deviam favores a ele. Queria chegar logo a sua casa, tomar um banho e entrar em contato com seus amigos.
Ao chegar ao seu prédio não falou com ninguém, nem porteiro, nem zelador. Seria impertinência demais eu me rebaixar a tanto. Tomou o elevador e dirigiu-se a seu andar. Abriu a porta de seu apartamento e sentiu com a leve pancada de ar que bateu em seu rosto que havia algo estranho. Estava tudo muito silencioso. Mesmo já tendo demitido os empregados, e o ritmo do di-a-dia ter diminuído, onde estava a sua filha e esposa?
- Querida, cheguei. Filha?
Nada. O silêncio foi a sua resposta. Viu ao lado do telefone um bilhete, era da sua esposa, nele estava escrito o seguinte: fui embora com minha filha, não me procure, não aguento mais essa vida. Depois ligo para você. Boa sorte!
- Desgraçada, vadia!
Ele amassou o papel e o jogou longe.
- Vou recuperar o meu patrimônio, essa vadia vai ver... Eu vou me casar com uma mulher melhor que ela, mais nova, mais bonita. Essa puta vai querer voltar para mim, mas não vou aceitar. Vou dar só os 10% referentes à minha filha e só.
Porém os dias seguintes se mostraram amargos. Os telefones dos amigos só davam na caixa postal e nenhum deles retornava a ligação. Quando decidia comparecer pessoalmente ao local de trabalho deles esperava um longo tempo até ser atendido. Quando era atendido, todos se mostravam ocupados e distraídos: escrevendo relatórios, falando ao telefone e abrindo e fechando gavetas, procurando por nada.
- Meu amigo, estou falido. Preciso de sua ajuda, qualquer que for.
- Ah? Eu sei. Sei sim, mas não posso fazer nada, a crise está muito grave. Desculpe.  E o amigo atende o celular: Alô, sim diga...
 Saía revoltado: canalhas! Quando era rico e influente todos me babavam, agora que estou na pior me repudiam. Ajudei muitos a serem o que são. Quando voltar não quero saber de nenhum de vocês.
Ele pegou o seu celular e arremessou no canal, não queria ter contato com nenhum deles. Queria pensar numa maneira de resolver seu problema.
Sentou numa praça do centro da cidade pela primeira vez desde que se tornara rico. Admirou a beleza do lugar. Mas depois enjôo. Levantou-se e decidiu sair andando pelo centro à toa. Sem saber aonde ir, nesta caminhada começou a ter uma visão.
- Estou ficando louco?
Todas as pessoas que passavam a sua frente, ou que ele via rapidamente, carregavam uma cruz nas costas. Alguns carregam uma muito grande e pesada. Outras uma pequena. O que estava vendo começou a deixá-lo confuso.
- O que é isso?
Quando decidiu olhar para si, viu que também carregava uma e muito pesada por sinal, chegou a pender um pouco com o peso. Ela era tão pesada que mal conseguia arrastá-la quando andava. No meio dessa visão transfigurada, percebeu que tinham pessoas que não agüentavam o peso de sua cruz e caiam no chão. Muitas de idade, outras não. Todas que caiam clamavam por ajuda. Mas em ambos os casos, as pessoas que passavam ao lado dessas não paravam para ajudar. Mesmo que carregassem uma pequena cruz, não paravam. Passavam que nem olhavam, como se no chão estivesse a imundície.
Cansados de pedir ajuda ou de esperar a boa vontade alheia, estes decidiam tentar andar, tentar sair dali. Levantavam-se e seguiam em frente e logo se misturavam a multidão. Jesus carregou sua Cruz por um longo caminho. Carregou sua cruz que todos viam e ninguém podia ajudar, todos olhavam, alguns xingavam. Coroado com a coroa de espinhos, marcado com os chicotes, ele cumpriu seu calvário até a morte. Ele sabia que ia morrer, mas continuou até o fim os seus passos. Na sua vida teve traição, teve miséria. O rei dos Judeus apanhando como um ladrão, foi humilhante. Ele carregou sua cruz.
Hoje quem carrega uma cruz sabe que a sua é bem menor que a do Cristo
Pedro decidiu ir para casa, precisava relaxar. Mas o peso da cruz que carregava o fez demorar muito a chegar. Outra vez fingiu que nem viu o porteiro e o zelador, porém percebeu algo de estranho neles. Ambos também carregavam uma cruz nas costas.
Ao chegar a seu apartamento, constatou que não tinha nada lá. Viu que a porta estava arrombada e a justiça havia levado tudo dali. Leu o documento oficial que estava no chão e que esclarecia tudo.
Chorando muito decidiu se matar. Entrou no apartamento, abriu a porta da varanda e olhou para baixo. Eram doze andares.  Tentou se livrar de sua cruz, para melhor conseguir apoio para se jogar. Mas não conseguiu; não conseguiria se livrar de sua cruz nem na hora da morte.
Então, com ela mesma agarrada a seu ombro, subiu no para peito da varanda e se jogou.
Tudo parecia mais leve para ele agora, mas a cruz continuava em suas costas.

quinta-feira, 10 de março de 2011

De amor e de ódio


- Eu odeio ela.
- Eu amo ela.
- Eu vou acabar o namoro.
- Vou pedir ela em namoro.
- Ela não me quer. Quanta frieza, desprezo... Ontem esqueceu do nosso aniversário de namoro, ela tem outro!
- Ela me quer, beleza. Ah, alegria! Ontem lembrou da 1º vez que nos vimos. Ela não tem ninguém, só quer a mim.
- Preciso marcar com ela, de hoje não passa. Preciso-lhe dizer umas verdades, vou acabar tudo! Eu sou palhaço? Serei firme! Se ela não me quer também não quero ela.
- Preciso marcar com ela, de hoje não passa. Preciso dizer toda a Verdade que sinto. Começaremos nosso namoro, eu sou um galante! Serei muito romântico: ela me quer, eu quero ela!
- Alô? Tereza, tudo bem? Vocês pode encontrar comigo hoje às 10 horas? Sim, na praça de alimentação. Até mais.
- Alô? Tereza, tudo bem amor? Você pode encontrar comigo hoje às 11 horas? Na praça de alimentação, isso. Tudo bem? Beijos, até breve.
- Não disse, que frieza. Me despreza, quase não falou, senti o gelo chegando no celular.
- Não disse, que fofa. Me ama, quase não falou, senti o nervosismo ao saber que eu estava no celular.

No shopping:

- Oi Tereza, chegou tarde como sempre. Acredito que você já sabe porque marquei esta conversa. Sabe sim, como não? Nosso amor não existe, viver com você virou mero protocolo. Você não me liga, quando liga é fria. Não saímos mais, você me despreza. Eu cansei, não dá mais, não é fácil para dizer isso, você foi o amor de minha vida. Sempre sabia disso, mas hoje tenho dúvidas. Por isso peço para acabarmos. Não conto nem nossas brigas, ah não chore, eu vou chorar, vai ser melhor assim, vai ver. Siga sua vida, eu vou seguir a minha, tudo bem? Seja feliz.
- Oi Tereza, chegou cedo como sempre. Acredito que você já sabe porque marquei esta conversa, sabe sim! Como não? Nosso amor é recíproco, viver com você virou um sonho lindo. Você liga todo dia e sempre que liga é amável. Estamos saindo muito juntos, você me trata com tanto afeto, me apaixonei, quero namorar você. Não é fácil para mim dizer estas coisas, mas você é o amor de minha vida. Sempre soube disso, hoje não tenho dúvidas. Por isso eu peço, vamos namorar? Sem contar nossas conversas, não é? Tanta coisa em comum, ah não chore, vou chorar também. Namora comigo? Vai ser maravilhoso seguir a vida juntos, não acha?




sábado, 26 de fevereiro de 2011

O último canto do pássaro




Eu que era tão certo de minhas convicções
Do meu ponto de vista.
Eu que era tão certo sobre os destinos da vida
Sobre a vida e  a morte
Eu que era tão certeiro sobre as coisas do amor
Sobre as pessoas

Eu que parecia tão seguro e tão ciente de meu passos
Eu que jamais havia derrubado uma lágrima de dor
Me vi perdido, sozinho e sem filosofia.

Foi então que percebi que tudo que possuía não passava
De um pilar que ruiu por um simples detalhe, faltou-me a coragem de admitir que era humano.

E como humano também sofria das pequenas coisas
Mesquinhas e medíocres que batem na alma
Como humano eu também desconhecia muitas coisas
E sabia muito pouco de outras que achava que conhecia.

Mas eu, sempre tive opinião sobre tudo
Me vi sem opinião sobre pequenos acontecimentos
Tão simplórios
Onde está o senhor das filosofias e da verdade
Preciso reconstruir meu ser, toda a essência e uma vida.
Mas não há nada no momento, apenas dor.

O que pode nascer da dor?
Um filho? Uma revolta? Uma arma? Uma bomba?
Da dor nascem feridas e das feridas nascem objetivos

Eu que era tão cheio de mim
Me vi vazio olhando no espelho
Eu que era tão certo, tão completo, tão verdadeiro
Senti dentro do peito o vazio de uma alma medíocre.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Na Hora da Morte


Estava ele sentado com sua melhor roupa, fumando seu melhor cachimbo com a boca cheia de dentes brancos e escovados. O olhar estava vazio, o vácuo trazia a esperança. Respirou profundamente até não mais entrar oxigênio em suas narinas.
- Você demorou a chegar.
- Uma vida inteira.
- Por que demorou tanto?
- Não era seu tempo até hoje.
A morte procurou uma cadeira, viu que tinha uma atrás de si e trouxe-a olhando fixamente para o Sr, embora este não pudesse ver a cara da morte, nem olhos nem nada, encarou-a como o trunfo de uma vida.
- Por que você me esperou tanto, perguntou a morte?
- Já morri faz 10 anos, você que esqueceu de mim.
- Não, você morreu faz 5 minutos.
- Não, você está completamente equivocada, morri faz 10 anos.
- Meu caro, dos assuntos da vida e da morte eu entendo.
- Da vida? Você sabe o que é a vida? Você só sabe da morte.
- Eu sei quando as pessoas morrem, você morreu faz pouco tempo. Sei que a vida é transitória e comprovo isso todos os dias. Você que morreu agora tem algum desejo? Quer ver alguém? Quer fazer algo?
-  No dia que ela morreu não tirei a roupa que fui ao enterro, cheguei em casa, peguei minha poltrona, suspirei longamente e comecei a esperar por você. Você realmente acha que quero fazer algo depois de morto? Não queria vivo, não quero morto.
- Você é durão, sua vida foi boa, seu amor foi grande.
- O que é a vida?
- Vida é um estágio antes da morte. Minha função é levar as almas, acabar com a prisão delas neste corpo medíocre e insignificante. Como as pessoas são tolas, como são fracas, acham que a morte é a prisão. Morrer é a libertação! Livre arbítrio? Vocês não sabem o que é livre arbítrio!
- Você fala demais.
A morte calou, levantou-se, olhou o Sr. e disse:
- Levante-se, eu não tenho toda a eternidade para você
- Pois não.
A morte jamais tinha visto alguém tão natural e tão seco na hora de encontrar com ela, a morte. Muitos choram, pedem e imploram para voltar, mas não voltam!
- Você agora está oficialmente morto, os prazeres da carne foram-se, ódio, pecado e dor não existem a partir de agora.
- Vamos.
Não teve medo, não teve dor, sua morte foi o momento mais aguardado de sua vida. Finalmente chegou seu dia. O que mais queria? Só pensava em finalmente encontrar o seu amor.
- Morte, uma última pergunta, quando você morreu?
- A morte não morreu, ela está viva.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Fim de tarde


Que todos os teus sorrisos sejam sempre dados em minha presença para que possa admirar e viver essa nossa nova cumplicidade.

Para que haja a leveza, cada toque que eu dê em seu rosto seja respondido com o formato da felicidade em sua face

Pois para mim, nada é mais importante que a alegria que posso dar a quem procuro apenas amar.

Nada do que temos podemos guardar se não formos sinceros até com nossos medos, mas esse teu sorriso não esconde segredos.

Me escreva, me dê um toque de alegria, quem sabe esta euforia quando irá parar.

Apenas peço para não fraquejar quando faltar as forças e os olhos quiserem fechar, apenas lembre, lembre que um dia você teve um motivo e sonhou acordada.

De tão pequenas palavras, de tão poucas linhas, escondem tantas entrelinhas...

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Um toque de poesia.


 
Ela sonhava em viver no céu
O seu céu é lindo, não tem gente morta
Só gente viva, mas é tão belo e tão real
Que não parece ser deste mundo
No seu céu todo mundo é feliz!

Ela que sempre sonhara em ter alguém
Do seu lado, alguém que lhe desse atenção
Flores e poesia, ela que sempre fora
Uma bela sozinha, uma flor no deserto.

Sonhava e como sonhava em ter que
Não mais sofrer por causa da maldade
E do desprezo humanos. A vingança e o ódio
Não faziam parte de seu vocabulário
Mas ela sofria, sempre sofria

Ela não tinha medo do que os outros iam pensar
Tinha medo de não ser feliz, tinha medo da solidão
Tinha medo de ser esquecida.
Do resto não, ela é sempre a única e verdadeira
Dona de si.

No mundo que ela imaginou não há heróis e fadas guinomos ou duendes.
Ela imaginou um mundo belo, porém real.
Um mundo de seres humanos, mas de seres humanos que ela podia confiar

O que ela mais queria desse seu mundo era deitar seu ombro numa tarde de domingo, com o sol escaldante no alto, naquele silêncio a beira da praia, com pequenas nuvens no céu, o vento soprando de leve, poucas pessoas passando na beira da praia...
Ela e ele ali, apreciando o por do sol, num segundo, em cada segundo, fazendo de suas vidas a felicidade das pequenas coisas impossíveis

Ela sonhava, ela quer, ela terá.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O encontro


 - Ela sentou-se na cadeira, olhou para os lados e não tinha ninguém notando a sua presença. Ajeitou seus cabelos que cortou no estilo moderno e acendeu seu cigarro, fumaçou para cima.
De repente ela sentiu como se o mundo notasse toda a sua presença, como se fosse a mais desejada de todas da cidade. Fumou ali seu cigarro, pediu um drink e esperava aflita pela pessoa que marcara e ainda não tinha chegado.
Não olhava para ninguém, já tinha olhado antes e não vira ninguém interessante, todos comuns com idéias comuns, para ela era sempre assim.
Sentenciou seu dia, sentenciou suas idéias, nada faria mudar a conclusão a que chegara das pessoas ali.
O homem chegou, meio nervoso, meio preocupado com o atraso, não fazia problema, os dois chegaram atrasados.

Por um momento os olhares se cruzaram e as dúvidas pairaram, a admiração do rapaz pela moça tão moderna o fez imaginar o quão enobrecido seria seu espírito se convivesse com ela. Imaginou que daquela cabeça sairiam grandes idéias, bons pensamentos, novas formas de encarar a vida e sentir o que o cercava. Ela fumou um cigarro e depois acendeu outro.
- O que queres?
- Eu? Uma cerveja ta bom.
- Uma cerveja garçom.
- Adorei seu corte de cabelo, é novo?




-É sim, queria dar uma renovada no visual, queria me sentir mais leve. Sabe, odeio me sentir reprimida e sufocada, jogo tudo pra longe quando fico assim.
- É uma porcaria essa vida em que os outros nos sufocam. Precisamos viver cada dia sempre.
- É, sabe, nossos pais não sabem o que é isso, pensam que sabem tudo mas não sabem nada, estão atrasados, com idéias atrasadas, não sabem se sentir livres. Viveram e vivem numa prisão e querem que sejamos assim também.

O papo fluía bem sempre que a garota trazia uma idéia nova, ela de fato, parecia ter boas idéias na cabeça e um espírito libertário, sem medos, sem frescuras, sem convencionalismos.

O rapaz era apenas mais um sujeito comum, tanto quanto ela? Jovens são assim, botam para fora o que não tem dentro de si e sugam para dentro tudo o que vem de fora, são incapazes de olhar para dentro e apreciar seus sentimentos. São jovens, tudo é fluido, tudo é rápido, tudo é vida.
Não podemos fazer juízo de valor, mas a vida carrega dentro de si a mais profunda qualidade que é a de presentear todo tipo de ser, seja ele bom, ruim, forte ou fraco.







O encontro de hoje foi marcado pela internet, ficaram umas vezes por ai, show e cinema, conversam horas pela internet e telefone e agora marcaram um bar para trocar umas idéias, tomar umas cervejas e sentir o calor de suas liberdades.

Para o garoto valeria a pena terminar a noite na cama, apenas, isso pagaria suas cervejas, seu dia, seu perfume e sua roupa nova que trouxe. Para a garota gozar seria o mínimo que poderia fazer hoje, era livre e disposta, se vier veio, se não vier não veio. A vida é assim.

Ambos estão com vontade de se comer, mas não entregam o jogo de bandeja, carregam dentro de si um “q” de valor, ou princípio de que não se chama ninguém para cama de forma direta, “ei vamos transar”. Não é assim, nem pode, tem que pintar um clima, tem que ter um papo, tem que ter algo que faça o espírito ficar livre. Isso nossos avós aprenderam com seus avós.

O papo que começou tímido fluiu bem, embora a idéia dos dois seja reduzida a criticar a modernidade e a repressão que sofrem quanto jovens, o papo para ambos é a melhor coisa que podem repassar.

Como numa previsibilidade tremenda, ambos sabiam dizer para o outro o que o outro queria escutar, ou pretendia escutar. Não havia nada repreendendo eles, nada. Falaram, mas desta conversa que tiveram não havia nada além de gírias, palavrões e criticas. O bom e


previsível estilo de uma época, o bom e verdadeiro ser transfigurado num outro ser que a todos agrada. Desde a roupa, ao estilo do cabelo, ao cigarro, as palavras e as idéias, quais idéias?

A cerveja dá coragem a ambos de sair dali e procurar um novo lugar, um lugar a sós e onde podem resolver o que procuram. Fazem sexo frenéticamente e liberalmente, como cabe a um jovem. Gozam, cansam e dormem.

Acordam no outro dia e sentem que a vida só é boa se for vivida. Vivem a vida e são felizes.


segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Domingo dia dos pais


Com a singeleza de um belo despertar, a manhã começou bem, era domingo. Um belo domingo dia dos pais. Lá estava aquele sujeito barbudo e gordo. Sentado como sempre vendo televisão, aquele olhar centrado de alguém que assiste algo porém está pouco preocupado com o resultado. Dizem que parece comigo, melhor, pareço com ele, mas não tenho certeza. O externo pode ser, mas e a alma? Como suportar todo esse silêncio no qual ele vive?
                      Quem dera ter forças para quebrar o gelo, a primeira palavra do dia. Não, ela não é bom dia. Nosso bom dia são olhares, são com outras palavras.
Preparo meu café sem dizer e penso no presente, dessa vez compramos algo além de meias, cuecas e camisas, foi um presente especial. Não sei por qual motivo, mas olhar para ele me deixa meio inseguro, meio indeciso. Talvez eu não saiba ser filho de um pai. Só sei que passaram duas horas e eu lá na sala. Minha mãe tentou uma conversa neste tempo, mas foram poucas palavras. A boa parte delas foi sobre o jogo de futebol que estava passando.
Ele adora jogos, não importa o time, se deixar fica o dia inteiro vendo televisão. Mas vendo o que? Dia de domingo a programação era bem limitada, só ele sabia. Talvez ele visse o mundo e nós?
Minha mãe e eu nos cansamos e resolvemos levantar, fomos pegar os presentes. Estava muito contente indo buscar o livro. Neste momento não existem palavras, apenas ações mecânicas. Nossas emoções existem mas não saem, qualquer frase, qualquer fraquejo, não importa, eles estampam na situação e criam situações imprevisíveis. Nessas horas o recomendável é nada de palavras, apenas ações, mecânicas ações, tímidas ações. Cheguei na sala novamente e levei em minhas mãos o pacote. Como já disse, não há palavras, apenas um grunhido mal entendido: “feliz dia dos pais”, uma resposta “obrigado”, tudo é quase imperceptível. Depois há um tímido abraço, entrego-lhe o pacote  mamãe diz:
- Faltou o beijo de seu pai.
Nesta hora o mundo vai e o tímido beijo nada mais é que uma demonstração de afeto, porém um tímido afeto. Medo, há medo. De quê? Não há resposta. Nessas horas vejo que não nos conhecemos devidamente. Um abraço, um beijo e um mimo de amor são tão torturantes, são expressões de nossos seres que vivem num abismo conjugal e entre eles há apenas dúvidas, nenhuma certeza.
A figura do pai é assim? A figura do filho é essa? Não sei, só sei que convivemos, saudamos e seguimos em frente. Ele abre o embrulho, neste momento meus olhos enchem de lágrimas mas não caem. Eu queria que caíssem, mas não deixo. A sua cara é a de sempre, porém dessa vez vejo um brilho em seus olhos, ele agradece e começa a folhear o livro que foi um marco em sua adolescência
Quantos anos passam nestes minutos? Vou recuperando meu estado e volto ao meu quarto para olhar o nada e lá só consigo figurar sua reação ao abrir o presente. O dia passou e junto com ele a sua magia e inquietude. Mas este dia sempre esteve e sempre estará em minha memória, nossos atos humanos.








Deste dia guardei a lembrança de um pai, foi o último dia domingo dos pais juntos. Não chorei, não fui nada além de mim, nem ele. Foi nosso último domingo, foi o último domingo que acordei cedo, peguei o presente, senti a barba e me senti encabulado na presença de alguém tão íntimo.
Hoje sou pai, lembro e lembrarei eternamente daquele dia, aquele simples dia que para é eterno, imutável. Poderia ter feito mais? Não! A resposta que tenho do livro que dei. Encontra-se em cima da mesa, aberto, com as marcas de suas digitais, com marcas de uma história, com lembranças de um passado.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011