sábado, 14 de dezembro de 2013

Pré-natal

Oito meses e três semanas, a barriga estava pela boca. Estava pela boca também todo o seu ar, seu cansaço e a ansiedade de quem é de primeira viagem. A mão que circundava a esfera a cada instante, transmitia amor e um calor para aquele ser que ainda nem se fez, mas já chegará tendo responsabilidades. O ar de mãe no rosto sempre lhe coubera, antes mesmo de saber que estava grávida todos já sabiam, ali seria uma grande mãe.
Olhando a sala silenciosa, lotada, perdia um pouco a tensão, tantas mães no mundo, quantos será que vão nascer no mesmo dia que o meu? A sala de espera era aflitiva, sentada, com a barriga pela boca, as mulheres suavam frio; outras com crianças já de colo faziam a trilha sonora daquele lugar de esperanças e mistérios.
Voltou os olhos furtivamente para a televisão, apenas para ver se conseguia entender algo, mas só via as imagens, ouvir era quase impossível. Continuou a se entreter com as pessoas ao seu redor, sem dizer nada apenas olhava. Seus olhos falavam por si, a curiosidade de ver outras grávidas, saber quantos meses, se seria menino ou menina, qual seria o nome e tantas perguntas que fazia com o olhar, mas que não esperava resposta.
Uma delas lhe chamou a atenção, pois conseguia dormir sentada naquela cadeira dura, que mal apóia, neste calor e com este barulho. Ou estava muito cansada, ou era muito despreocupada. Mas impossível ser despreocupada quando você é responsável por outra vida, uma vida que ainda nem começou, mas que em breve terá sua história.
O tempo não passava, aqueles vinte minutos na cadeira já incomodavam bastante, nenhuma posição era boa. Levantou-se da cadeira e foi andar um pouco exibindo o barrigão, até andar era uma aventura. Alisava a barriga constantemente. O tempo passava devagar naquela tarde, as crianças choravam e brincavam, brincavam e choravam, num contraste de emoções e barulhos que poderiam fazer qualquer um não querer ficar ali, mas era preciso, sempre era preciso.
Em pouco tempo caminhar incomodava, o calor incomodava e até o silêncio, se houvesse, iria incomodar. A cara pálida, o batom vermelho, o sorriso no rosto e os cabelos presos sem um corte definido faziam uma mistura de renascimento com decadência de um ser.
Seria a próxima, anunciou a secretária. Justo neste momento a demora é maior, justo neste momento a que entrou antes demora mais e mais que todas as outras.
Carregava consigo os exames, as receitas, as dúvidas e tudo que pudesse caber em sua consciência.
Naquele lugar havia um pacto secreto de que homens eram proibidos, porque só as mulheres ficavam e só elas agüentavam esperar, os maridos deixavam-nas ali e saiam em seguida. Não havia placas, não havia recomendações, mas nenhum homem ficava naquele local, fato curioso que não tem muita explicação.
Chegara sua vez, entrou na sala, acomodou-se na cadeira, mas aquela posição também não era boa, mas mesmo assim mostrou os exames ao médico. Olhando cada folha atentamente, procurando cada letra mágica, o médico folheava aquela papelada toda, fazia perguntas para a futura mãe e no fim deu o diagnóstico:
-Bem, bem, oito meses e três semanas não é? Semana que vem ele vem ao mundo, está tudo bem, tudo perfeito.
O sorriso na cara da mãe ganhou um novo tom, agora estava corada. Ela já tinha lido todos os resultados, mas mesmo assim ficou com medo, poderia ter algum código ali que não entendia, alguma palavra que dissesse algo que não conhecia.
O médico olhou para o calendário, marcou a data com ela, trocaram algumas palavras e ela por fim sairia aliviada.
De repente ela começou a sentir saudades daquela barriga, de carregar por tanto tempo aquela criatura que nem conhecia direito, de enfrentar todas aquelas aventuras.  Passou rápido, passou furtivamente em sua vida.
Saiu da sala com um ar mais leve, satisfeita e meio aérea. A rua traria desafios, a próxima semana seria de mais tensão, sua vida ganharia novos capítulos. Enquanto outras mães esperavam seus maridos para ir-lhes buscar, ela saiu caminhando pela porta, colocou seus óculos escuros e saiu para o ponto de ônibus mais próximo. Seu filho teria apenas mãe, o pai, este não existe mais para ela, talvez para o filho exista, para ela não mais.


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