A primeira vez que ouvi esta frase foi em 2008 quando eu era um pobre neófito
no movimento estudantil e um amigo refutou a tese de outro que se dizia neutro
na política. Essa frase me acompanha até hoje e já foi minha reflexão durante
muitas horas, inclusive quando tentava dormir. Inevitável, quando ouço alguém
bater no peito dizendo que é neutro, eu lembrar desse acontecimento, soltar um
risinho e ficar com pena da ingenuidade dessa pessoa.
A neutralidade, que muitos se gabam em ter, na verdade não existe: neutro
nem sabão em pó, camarada. Todo mundo carrega na sua vida um posicionamento
sobre algo, algum aprendizado, alguma cicatriz ou algum valor que ao ver
determinada situação pode demonstrar uma atitude brutalmente conservadora ou
francamente libertária. Esse lampejo reacionário ou de esquerda não é estereótipo,
são fatos, você, eu, todos nós podemos ter comportamentos, emitir frases, ou
compartilhar uma visão que seria de determinada categoria política e isso não
te faz ser dela, mas simplesmente mostra que você a reproduz, nem que seja
indiretamente. Todos nós em algum momento da vida já tivemos atitudes que foram
conservadoras ou não.
Para quem se diz neutro, ter um comportamento julgado como de esquerda ou
de direita é uma afronta. Ele fica chateado, bate no peito e diz: “ ah esses
revolucionários com seus estereótipos, eu sou neutro rapaz, não tenho
comportamento conservador nem de esquerda, sou acima disso tudo”. Neutro? Nem
sabão em pó, camarada.
Você pode ser imparcial, neutro jamais. A imparcialidade é não tomar
partido, ou simplesmente ficar fora de levantar bandeiras ou expressar apoio a
causa A ou B. Ser imparcial não é ser neutro, simplesmente porque neutro não
existe. Você pode não ter bandeira nenhuma e mesmo assim ser um autêntico cara
com idéias de esquerda, ou de direita, ou ambas, não importa.
No direito, muitos acreditam no mito do juiz neutro, que o juízo não pode
tomar parte na causa, que deve decidir com neutralidade e etc. Troque
neutralidade por imparcialidade e a frase fará sentido. A justiça precisa de juízes
imparciais, que não tomem parte durante o processo (na vida privada ele pode
sim ter um lado de preferência). O juiz imparcial é justo, trata com eqüidistância
as partes e dificilmente comete injustiças.
O juiz neutro é uma lenda como a do saci pererê, não existe e jamais
existirá, porque a neutralidade é algo impossível de se alcançar.
Somos seres humanos e como tal acabamos simpatizando com uma tese A ou B,
isso não nos faz sermos partidários de A ou B, simplesmente simpatizamos. E essa
simpatia não quebra a imparcialidade, você é imparcial, mas concorda com B, mas
não milita com B. Porém, neutro jamais você será, pois você pensa, você vive,
você transmite idéias e convence.e neutralidade é a ausência de idéias e
pensamentos. Portanto meu amigo, sem esse papo furado, e sem vitimização, muito
menos tentativa de heroísmo barato para tentar se vangloriar perante os outros,
pois neutro, camarada, nem sabão em pó.
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