Acordei meio confuso, tomei meu café da manhã, li o jornal do dia e sai
para o trabalho como de costume. No caminho a mesma paisagem de concreto poluída cercava-me sem poesia. Os carros tocavam sua música de costume, as
pessoas seguiam como zumbis a algum lugar e a cidade, que se dizia viva pelas
pessoas estarem indo ao trabalho, ou saindo para resolver seus problemas, na
verdade estava morta. A vida que passa pela janela nunca é vida, é uma
aparência de normalidade, mas essa não passa de uma repetição medíocre dos
seres humanos, que de tanto repetir parece normal.
Aumentei um pouco mais o volume do som e fingi não perceber as pessoas ao
redor... de olho no trânsito, era automático o movimento de acelerar o carro e
desacelerar, indo no embalo da sinfonia do trânsito da cidade. A vida passava
devagar naquela manhã.
As pessoas em seus carros conversavam, algumas sorriam, outras olhavam as
horas com inquietude preocupadas em chegar na hora. O tempo não passava. A
vida, simplesmente era igual.
Depois de algum tempo perdido na lenta marcha dos carros, como se
estivéssemos numa marcha de um filme de Stanley Kubrick, em que os objetos se
mexiam harmoniosamente ao som de uma sinfônica, mas na minha realidade, a única
música que tocava era o barulho da cidade, cheguei ao trabalho. Liguei meu
computador, acessei o login sem pensar, os dedos simplesmente sabiam as teclas
que deveriam tocar, como um músico que ensaiara por diversas vezes a sua música
e na hora do show sabia exatamente o que fazer, sabia tanto que tinha perdido o
tesão de tocar aquela música, pois não havia mais emoção, apenas a repetição
mecânica para não desafinar e errar.
Nos dez primeiros minutos tudo parecia tranqüilo, as responsabilidades
com a sempre crescente papelada, o som de um bom dia automático e enjoado,
revelando que a pessoa era obrigada a dizer aquela palavra e a outra obrigada a
responder...
De repente faltou-me ar, os dedos pararam nos teclados e a única coisa
que eu conseguia ouvir era o bater acelerado do coração: eu tinha perdido a
capacidade de imaginar.
Não conseguia abstrair nada, a mera reflexão, ou um pouco de sonhos,
nada! Tudo aparecia para mim como o presente nu e cru, como num niilismo
sufocante. Olhava para a tela do computador e simplesmente sabia o que devia
fazer, olhava para a hora e sabia que horas eram, eu entendia o mundo que me
cercava. Eu não conseguia imaginar o mundo, sonhar soluções, procurar
significados ou pensar no futuro. A capacidade de imaginação foi roubada por
alguém que não sabia, não lembrava. Alguma criatura mágica roubou algo tão
precioso de mim, que fazia agüentar o tédio de uma vida sempre igual e com os
compassos marcados. A reflexão também tinha desaparecido. Eu vivia, apenas
isso.
Tentei imaginar coisas simples, desde qual seria o placar do jogo, até
realizar um sonho. Nada aparecia em minha mente, eu tinha virado um simples
reprodutor de atitudes que eu já sabia aonde levariam. Não pensava em
conseqüências, em medos, em prazeres. Vivia.
Olhava para minha mão e via todas as linhas, entendia o significado de
cada linha, mas não conseguia pensar nisso, apenas reproduzia. Durante muito
tempo eu tinha tentado escrever como o Ernest Hemingway, mas a capacidade de
imaginação, agora afetada, prejudicaria o desempenho de um soldado das idéias e
dos pensamentos mais obscuros. Tinha perdido a capacidade de sonhar.
Sem rumor, sem poder saber o rumo, sem refletir sobre o que era bom para
mim... Esse emprego me agradava? Minha vida é de felicidade? Para onde irei? O
que fazer com este livro? Aonde chegarei fazendo isso?
Todas as perguntas ficaram sem resposta, como também sem resposta ficou
minha vida. Entrei na dança das pessoas comuns e normais, que vivem esperando
uma resposta pronta para tudo, e não procuram nada que lhes agrade. Passei a
sobreviver em cada dia.
Minha produtividade aumentou, minha concentração também, nunca mais
perderia tempo com besteiras e coisas que não sejam relevantes, eu tinha virado
um escravo de meu próprio pensamento, prisioneiro da própria rotina e dos medos
tão mal consolidados. Sobrevivia, mas não vivia.
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