domingo, 20 de março de 2011

O retrato



  Homenagem a Isabel Allende

Aurora estava diante de si, admirando a beleza que já foi e não está mais em seu rosto. Ela era, de fato, bonita. Tão bonita que poderia fazer filmes de princesa. Já estava com 50 anos e nunca fizera uma plástica, dizia a si mesma que jamais faria: “a beleza que não for natural não é beleza, não é obra dos Deuses. Seria como eu ser uma falsa inteligente que tira 10 sempre colando nos exames".
E, conforme diz, ela deixa o tempo corroer sua pele, levar a altivez de sua pele e junto sua imensa felicidade, mas era tudo natural, inclusive a beleza que restava.
Adorava sorrir, sempre. Hoje não rir mais como antes.
Desde que surgiu sua primeira ruga começou sua obsessão por fotos. Queria resgatar sua beleza, ao menos na memória, nas fotos.

Lembrar que foi bela. Desde então, passou a procurar fotos suas com 10, 15, 25, 30 anos. Toda sua mocidade foi resgatada; fotos empoeiradas, gastas pelo tempo, todas estão digitalizadas, reconstruídas.
Já não há mais parede em seu apartamento de 120m² que caiba uma só foto, ou quadro de sua vida.
São 20 quadros e mais de 2000 fotos. Mas ainda não se sentia satisfeita. Cada foto nova, cada foto que vê, lhe imprime uma alegria de seu passado glorioso. Casou, teve filhos, sua beleza perdurou por mais um tempo, porém chegou um momento que teve um choque do desgaste da vida, da vida de mulher.

Uma angustia, uma inquietação ferve em sua alma; é como se o temor de envelhecer fosse pior que o da morte. Se tivesse morrido jovem estaria tranqüila, não se veria assim. “É por isso que Narciso acha feio o que não é espelho; ele jamais envelheceu. Se envelhecesse jamais iria se olhar na velhice, é deprimente.”

Encontrava-se sentada no sofá olhando as fotos da sala, quando lhe veio este pensamento e junto com ele veio uma idéia magnífica.
Procurou todos os espelhos da casa, quebrou-os todos. O grande, que ficava em seu quarto, que a assistiu aos 15 anos provando seu vestido de debutante foi o primeiro a sucumbir a sua ira. “Não me verei mais. Não verei mais o castigo do tempo. Apenas contemplarei o que fui, não o que sou e serei. Se precisar ver se estou linda, olharei para minhas fotos. Espelhos não argumentam, são totalmente precisos”.

Esta nobre dama, que foi vaidosa, mas não foi a pior das vaidosas, faleceu com 70 anos. Estava num hospital, morreu de diabetes. Desde os 50 anos jamais se vira no espelho novamente, jamais batera fotos. Todas as fotos que possuía foram até sua primeira ruga. De então, evitava festas, ficava em casa com as fotos. Consigo mesma.

Sabendo que iria morrer, chamou um de seus filhos e disse:
- Irei morrer. Não chore. Se for chorar, não chore pela velha, chore pela jovem que fui. Não quero no meu enterro caixão aberto, deixe-o fechado. Em cima dele coloque minha foto, aquela que estou com um vestido branco, sim o que usei nos meus 15 anos. Belo vestido...

Um comentário:

  1. ei cara, li seu poema cínico do post de 2009,
    eu tenho uma coluna chamada cinicamente no meu blogger que por acaso se chama Caffè Cínico
    e estou reunindo vários poemas e várias visões cínicas ou de cinismo, gostaria de postar teu poema

    me visita lá, tava fora do ar mas o blog acabou de retornar, blz

    http://caffecinico.blogspot.com/

    ResponderExcluir