Com a singeleza de um belo despertar, a manhã começou bem, era domingo. Um belo domingo dia dos pais. Lá estava aquele sujeito barbudo e gordo. Sentado como sempre vendo televisão, aquele olhar centrado de alguém que assiste algo porém está pouco preocupado com o resultado. Dizem que parece comigo, melhor, pareço com ele, mas não tenho certeza. O externo pode ser, mas e a alma? Como suportar todo esse silêncio no qual ele vive?
Quem dera ter forças para quebrar o gelo, a primeira palavra do dia. Não, ela não é bom dia. Nosso bom dia são olhares, são com outras palavras.
Preparo meu café sem dizer e penso no presente, dessa vez compramos algo além de meias, cuecas e camisas, foi um presente especial. Não sei por qual motivo, mas olhar para ele me deixa meio inseguro, meio indeciso. Talvez eu não saiba ser filho de um pai. Só sei que passaram duas horas e eu lá na sala. Minha mãe tentou uma conversa neste tempo, mas foram poucas palavras. A boa parte delas foi sobre o jogo de futebol que estava passando.
Ele adora jogos, não importa o time, se deixar fica o dia inteiro vendo televisão. Mas vendo o que? Dia de domingo a programação era bem limitada, só ele sabia. Talvez ele visse o mundo e nós?
Minha mãe e eu nos cansamos e resolvemos levantar, fomos pegar os presentes. Estava muito contente indo buscar o livro. Neste momento não existem palavras, apenas ações mecânicas. Nossas emoções existem mas não saem, qualquer frase, qualquer fraquejo, não importa, eles estampam na situação e criam situações imprevisíveis. Nessas horas o recomendável é nada de palavras, apenas ações, mecânicas ações, tímidas ações. Cheguei na sala novamente e levei em minhas mãos o pacote. Como já disse, não há palavras, apenas um grunhido mal entendido: “feliz dia dos pais”, uma resposta “obrigado”, tudo é quase imperceptível. Depois há um tímido abraço, entrego-lhe o pacote mamãe diz:
- Faltou o beijo de seu pai.
Nesta hora o mundo vai e o tímido beijo nada mais é que uma demonstração de afeto, porém um tímido afeto. Medo, há medo. De quê? Não há resposta. Nessas horas vejo que não nos conhecemos devidamente. Um abraço, um beijo e um mimo de amor são tão torturantes, são expressões de nossos seres que vivem num abismo conjugal e entre eles há apenas dúvidas, nenhuma certeza.
A figura do pai é assim? A figura do filho é essa? Não sei, só sei que convivemos, saudamos e seguimos em frente. Ele abre o embrulho, neste momento meus olhos enchem de lágrimas mas não caem. Eu queria que caíssem, mas não deixo. A sua cara é a de sempre, porém dessa vez vejo um brilho em seus olhos, ele agradece e começa a folhear o livro que foi um marco em sua adolescência
Quantos anos passam nestes minutos? Vou recuperando meu estado e volto ao meu quarto para olhar o nada e lá só consigo figurar sua reação ao abrir o presente. O dia passou e junto com ele a sua magia e inquietude. Mas este dia sempre esteve e sempre estará em minha memória, nossos atos humanos.
Deste dia guardei a lembrança de um pai, foi o último dia domingo dos pais juntos. Não chorei, não fui nada além de mim, nem ele. Foi nosso último domingo, foi o último domingo que acordei cedo, peguei o presente, senti a barba e me senti encabulado na presença de alguém tão íntimo.
Hoje sou pai, lembro e lembrarei eternamente daquele dia, aquele simples dia que para é eterno, imutável. Poderia ter feito mais? Não! A resposta que tenho do livro que dei. Encontra-se em cima da mesa, aberto, com as marcas de suas digitais, com marcas de uma história, com lembranças de um passado.
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