sexta-feira, 24 de abril de 2009

O preconceito nosso de cada dia


Certo dia, numa bela manhã ela se acorda. Como todos os outros dias. Troca sua roupa, ajeita seu cabelo. Mas, de forma maquinal ela senta-se na cadeira. Não irá sair de casa, não porá os pés na rua. Ela é proibida de pisar na rua. Está sobre prisão domiciliar.

Os guardas somos todos nós. Ela não pode mostrar quem ela é e mesmo que queira, seremos pretensiosos em lhe negar o poder da fala pelo simples fato de a pré-julgarmos incapaz por não fazer parte de nosso padrão estético. Ela é feia. Não merece a vida.
Mas imbuída de uma vontade e uma simplicidade, ela fura nosso cerco. Escapa de nossa prisão. Os feios devem ficar escondidos, ninguém deve notá-los. E sabendo que possui um talento incomum, tão raro e tão singelo que bastaria uma palavra para que soubéssemos que ela é genial.

Mas os ouvidos não escutam: “todos estão surdos”.
Ela que vivia numa prisão igual a de Quasimodo. Na verdade não é só ela. Mas todo mundo que não está dentro dos moldes pré-estabelecidos, vive preso. Vive preso em sua consciência, aprisionado em seu eu que diz: você é fraco,você é incapaz, você não pode, você é feio.

As pessoas te apontam, as pessoas riem, dizem: você é incapaz de tudo. Por quê? O silêncio impera, mas você sabe porque, lá no intimo. E seu coração chora. Você se pergunta: por que? Por que não sou igual a eles? ( não é?) por que sou inferior? ( é?)
De fato o fracasso nasce com essas pessoas, não o fracasso que eles se entregaram, mas que o mundo vos entregou e pré-determinou na testa dos feios: fracassado!

Mas ela furou o bloqueio. Foi apontada, foi ridicularizada, foi atestada de fracasso e ninguém nela acreditou. Nem eu nem você acreditaríamos... Quem? Ela? Talento?
A pobre cegueira de hipocrisias que invade nossos sentimentos é inefável.
Pois então, faz o silencio. “ vamos ouvir esta gorda feia, depois despachamos. Somos legais, somos democráticos e não somos preconceituosos.”
Daí então alguém ouve ela de verdade. Não com aquele ouvir de caridade como olha com pressa e a vontade de sair deste lugar. Mas o ouvir admirado, que bela. O ouvir consternado. A vergonha de ser hipócrita e a certeza que você é que é o fracassado. A emoção de mera pena, pena por ela só ter este talento para mostrar.

Somos humanos somos assim. E ela? Ela sobreviveu, ensinou e saiu de pé, chorou no fim é verdade. Mas quem não choraria? Não sou fracassada!

Somos todos iguais, somos homens. Olhamos o exterior como a capa do interior. Apreciamos o belo frasco antes de compra-lo ou ter interesse em furtá-lo. Os feios ficam na prateleira. Quem quer? Ninguém, lógico. Ninguém porque somos seres incompletos e mesquinhos. No dia que não formos assim, se este dia chegar, seremos humanos de verdade, e não este conjunto de máscaras prontos para sorrir de aprovação na beleza; e chorar e rir e desprezar o feio.


MARCELLO BORBA ARAQUAN BORGES

Nenhum comentário:

Postar um comentário