sábado, 26 de setembro de 2015

O fim dos abraços


O dia é especial, a pessoa senta-se, pega o celular, pensa um pouco e manda uma “linda” mensagem para seu/sua melhor amiga/amigo no grupo de amigos em comum e pronto. Fez sua parte. A alma livre e dever cumprido. Os outros amigos/amigas copiam aquela mensagem e repassam os pedidos de parabéns e felicidades feitos pela primeira pessoa. O sujeito nem mentaliza a mensagem, nem reflete, muito menos pensa na pessoa que irá receber. Apenas viu as palavras “parabéns” e o nome “fulana”, e pronto, repassou e se livrou da “obrigação” moral de parabenizar o outro. Sim, obrigação moral. Nos tempos de redes sociais e grupos, nunca se relacionou tanto!?
Pode parecer paradoxal, mas a distância não existe, o tempo, que parecia infinito, agora se reduz a segundos. Mas o relacionamento virtual não chega nem perto do relacionamento físico. Você não vê a pessoa, você vê uma foto (em geral bonita) selecionada por ela para representar sua imagem. Você vê uma projeção da pessoa.
Você lê palavras, estas que no formato digital tentam reproduzir o sentimento da pessoa que está transmitindo letras abreviadas no “tc” do celular, ou “touch”. Não, não há amor e nem poesia. Pior ainda são os relacionamentos onde toda a conversa diária é pautada na janelinha do “zap zap”. Mais fácil, mais próximo, contato indireto, áudios mandados e respondidos com “eu te amo” mecânico.
Estamos vivendo, nos relacionando e amando sem abraços, sem contatos físicos e acreditamos estar mais próximos uns dos outros por causa da facilidade do mundo virtual. Ele traz essa sensação de completude e de preenchimento, mas nada é mais vazio que uma pessoa no seu quarto, com seu ar, mandando mensagens tarde da noite a seus amigos que estão em algum lugar apenas lendo, sabe-se lá em que canto da casa, e com que cara respondendo. Isso é relacionamento ou amizade.
O abraço era algo essencial de demonstração de carinho e afeição pela pessoa. Hoje ainda é, e digamos, que mais raro que nota de 1 real. Mandar parabéns é uma obrigação virtual. “Como assim você não lembrou? O face não te avisou?” E sentimo-nos coagidos a mandar parabéns ali, pela timeline da pessoa... Parabéns secos, os mais completinhos com “parabéns e muitas felicidades”. Quando são “melhores” amigos/amigas, os textos são grandes e com curiosidades. Limpam a alma após mandar e sentem-se no dever cumprido de preservar aquela amizade virtual. E quem recebe sente-se amado, lembrado, desejado, procurado, em resumo, feliz por ter lido palavras naquela telinha na palma de sua mão. E sem levantar a cabeça ele não percebe a falsa sensação de lembrança.
O “face” lembra os amigos de sua data, claro tecnologia é para nos ajudar. E caso não vejam no face existem os grupos do “zap zap” para lembrar os que não viram, ou não percebem o aniversário do “felizardo”. Parabéns! Manda um. Parabéns (2) parabéns(3) parabéns (4) mandam os demais. E de parabéns em parabéns vamos ficando com menos abraços, menos afeto, menos pele.
Será o fim do homem viver de parabéns na internet? Será o futuro pedir em casamento pelo “zap zap”? Será o futuro não tão distante, celebrar casamento pelo celular, sem beijo e sem abraço, e mesmo assim jurar amor eterno? Será o fim de todos nós, para evitar o olho no olho, o medo e o frio na barriga, terminar relacionamentos por áudios de 4 minutos explicando os motivos e logo em seguida bloqueando o “ex-amor” do zap? Acho que não, estou viajando demais.

À partir de hoje só desejo parabéns ao vivo, só desejo parabéns se puder abraçar e tocar. Não quero substituir por algorítmos de computador, nem vídeos de autoajuda o sentimento que tenho por aquela pessoa. A vida é muito grande para viver presa na tela de um celular, mas infelizmente temos pouco tempo e o celular tá ali para isso. Paradoxo!

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Meu amigo Caprichado.





Sempre tive dificuldades em aceitar a rupturas, a do Capri é uma das quais ainda não acredito que aconteceu. Quando vou na FDR ainda passo pelo corredor da cantina procurando ver se acho o Capri, era minha rotina quando estudava. De longe eu ouvia seu grito: “Na medida? É a lei”. Pronto, meu sorriso se abria, e o papo sobre qualquer coisa banal começava. Durante cinco anos frequentei aquela cantina não como consumidor, mas como confidente, amigo e até parceiro de alguns negócios como o teatro e o filme. Sei lá, eu gostava daquele sujeito enigmático pra caramba.
Embora tivesse convivido com ele tanto tempo, principalmente quando eu matava aula para ir na cantina conversar, muitas coisas eu não sei dele ou sei, mas eu prefiro deixar como um ar mitológico para outras pessoas. Lembro de várias conversas, lembro de várias piadas e dos conselhos que ele me dava sobre arte e a vida. Ah capri, deixasse-nos de forma tão abrupta e inesperada, deixasse um vazio naquela FDR já tão vazia, deixasse milhares de pessoas órfãs de um amigo, parceiro e acima de tudo, de um ser humano da melhor qualidade. Temos a certeza que será difícil conhecer um sujeito simples, porém gigante como você e que falta fará para aquele prédio. Todos os que saem da FDR após formados, quando voltam para visitar ficam com a  sensação que sempre iriam te encontrar ali atrás do balcão para conversar sobre qualquer coisa do passado ou da vida “daquela época”. E agora?
Agora eu carrego alguns arrependimentos: o de não ter ido na véspera, no dia 09 de julho na FDR fazer uma visita; de não ter conversado mais nas últimas vezes que vi e acima de tudo, de não ter tirado uma foto para guardar na memória. A morte te pegou de surpresa, amigo, e deixou-nos um vácuo no coração e na alma.


terça-feira, 7 de julho de 2015

Sobre entrar na FDR


Quando era estudante do ensino médio, estudei no colégio e curso especial. No primeiro ano do ensino médio eu fazia questão de pegar ônibus para fazer retorno no centro, pois a beleza do Recife para mim era algo novo e surreal. Eu, criado nas periferias de Olinda, que agora morava num bairro quase nobre do Recife, que mal conhecia a praça do Derby, ver a Cidade à noite era um sonho. Aquelas pontes, aqueles postes, aquela luz suave da noite iluminando os prédios históricos eram como um museu a céu aberto para mim. Sentia-me feliz quando largava cedo e podia fazer o retorno no centro.
Neste ano o palácio da Facvldade de Direito do Recife passava desapercebido por mim. Não que eu não notasse sua beleza, mas eu o via como uma realidade distante, como algo que só podia admirar de longe e jamais sonhar em conhecê-lo, muito menos estudar ali.
Estudar ali? Não, coisa distante demais. Lembro que certa vez num desses passeios dando retorno na cidade, um dos passageiros comentou, Olha só, essa faculdade tem mais carro que aluno.
Esta frase, escutada aleatoriamente e certamente dita aleatoriamente, ficou na minha cabeça por alguns anos como uma marca da distância de minha realidade.
Durante o terceiro ano do ensino médio, tive a ousadia de sonhar de um dia entrar ali. Ousadia sim, porque para mim, um garoto advindo dos subúrbios de Olinda entrar ali, seja para visitar, seja para apenas olhar, parecia distante, quase impossível. O palácio com sua beleza imponente impunha medo, respeito e desejo.
Comecei a passar por ali e dizer mentalmente “eu vou estudar ali”.
Pronto, o garoto suburbano de Olinda, agora morador de área quase nobre do Recife, estava tendo a ousadia de sonhar. E o sonho se realizou um pouco depois. Fruto de um cansaço mental e de uma dedicação que hoje sei que não foi apenas minha, foi de um conjunto de fatores.
No dia do resultado, lembro ter dito para,” finalmente vou entrar ali e saber o que tem atrás daquelas grades”.
Hoje, quase dois anos depois de formado, voltei para a faculdade para fazer mestrado, o prédio não é o mesmo, estudo no anexo, carinhosamente chamado de “casa de pombo”, mas só em estar perto daquele prédio que embora afaste muitos, e seja, em parte tolhedor de sonhos, tem um magnetismo sobre mim incrível.
Hoje o garoto que um dia sonhou em estudar ali, diz para si, um dia darei aula ali. Pode parecer pouco para muitos, pode parecer fácil para outros, mas para mim tem um sentimento diferente, soa como um sonho de um adolescente que cresceu distante daquela faculdade, e que não vive mais longe dela.


segunda-feira, 6 de julho de 2015

FUNCIONÁRIOS

 Todas as pessoas viraram funcionários públicos. Ninguém naquele imenso país de dimensões continentais fazia outra coisa a não ser servir ao governo, seja ele Estadual, Federal ou Municipal. E aqueles que não serviam ao poder Executivo, serviam ao Judiciário ou ao Legislativo. Houve um tempo que era um sonho entrar num desses cargos, onde pessoas dormiam pensando no dia que teriam tranquilidade pelo resto da vida. Agora não, até quem não quer é obrigado a assumir um cargo público. O que não poderia ser diferente neste país onde tudo é motivo de fetiche e sonho. O funcionalismo público, que deveria ser, pelo visto, algo de primeiro mundo, com diversos especialistas e pessoas dispostas a trabalhar, tornou-se mais burocrático e corrupto. Todo mundo sabia, todo mundo suspeitava, mas ninguém denunciava com medo que alguém lhe denunciasse. O país inteiro estava preso numa grande engrenagem estatal da qual jamais conseguiria sair. Primeiramente as pessoas entravam nos serviços Municipais. Seriam atendentes, copeiras, técnicas, analistas dos serviços municipais e etc. Seja ele ou ela de que canto do país for, teria de abarcar toda a população da cidade. Se o cidadão quiser, não precisaria fazer mais nada que teria esse emprego para toda a vida, seria servidor pelo Município, ganharia um salário e poderia morrer eternamente feliz recebendo uma quantia fixa ad eternum. As pessoas não se aposentavam, aposentadoria era prejuízo para o país. A engrenagem estava tão disposta que mesmo velho e decrépito, sem esperanças e forças a pessoa, mesmo não podendo ir ao trabalho contribuir, continuava a receber como se trabalhador fosse, e ficava em casa apertando botões fazendo para promover a propaganda do governo ao qual trabalhava, para que fomentasse a população, como se precisasse, a usar os produtos públicos.
Caso alguém quisesse sair do serviço Municipal para o Estadual ou Federal, ou para o Legislativo ou Judiciário não era tão complicado, mas teria que fazer uma prova. Prova de habilidades que envolviam conhecimentos diversos e tão inúteis para os cargos, que faziam questionar até mesmo a existência da humanidade. Por exemplo, caso alguém quisesse migrar para o Estado e ganhar 40% a mais, deveria se inscrever numa lista para ser sorteado. Assim, caso quisessem entrar no poder judiciário para ser Juiz, ou no Ministério Público para ser promotor, era por sorteio, neste caso anual, de pronto que qualquer um poderia ser o que quisesse caso tivesse a sorte num sorteio, que era transmitido ao vivo durante o último dia do ano. Fato tão esperado quando o natal, ou seu aniversário. Neste último caso, o acréscimo no salário era de quase 90%. A engrenagem era tão complexa e precisa, que não tinha como desmontar esta lógica pois se não teríamos desemprego. Foi o medo do desemprego num passado longínquo que fez os governantes tomarem decisões drásticas.
O país estava mergulhado numa crise profunda, pessoas estavam depressivas porque não conseguiam seus objetivos pessoais, quem queria ter um emprego nem sempre podia, porque a concorrência era grande para os concursos e para ingressar numa empresa, quem tinha uma empresa nem sempre conseguia se sustentar porque os tubarões internacionais derrubavam qualquer uma que surgisse em qualquer ramo que fosse. E a quantidade de gente infeliz e desempregada ia aumentando vertiginosamente. Os governantes não podiam fazer nada. Nada.
As cartas de suicídio chegavam aos montes nas mãos do Presidente, cartas que pediam emprego, cartas que diziam que estavam indo embora para o outro país; cartas que apenas cobravam uma solução e o Presidente atônito não sabia mais o que fazer. As filas dos cursinhos e os materiais voltados para concurso vendiam como nunca, todos queriam entrar no funcionalismo, mas até nisso era difícil de entrar. Até o momento que um sábio deputado resolveu empregar toda a população do país nos braços do estado.
Como, bradou um deputado atônito com a afirmação do amigo no alto da Tribuna, o que foi acompanhado em coro pelos outros setecentos e cinquenta deputados eleitos inutilmente para resolver os problemas do país e que agora, enfim, pareciam ter achado uma explicação para a sua existência tão laboriosa, Simples, respondeu ele, e explicou todo o seu plano que expliquei acima.
A população ficou feliz ao ouvir a notícia, os milhões de desempregados e subempregados sonhavam com o dia de terem um emprego decente e aquela solução parecia por fim a  qualquer angústia.  De pronto o deputado disse que no outro dia mesmo iria apresentar o pedido ao presidente e disse que ele mesmo seria voluntário a ingressar no serviço público de outra forma. De pronto foi a decisão, a partir de agora só havia aquela forma de ingressar no serviço público, começando pelo município, de tal sorte que, não existiam mais eleições para prefeitos, vereadores, deputados, senadores, presidente, governadores. Nada. Era proibida qualquer forma de disputa para ingressar no serviço público, quem quisesse ser presidente, governador, deputado, era só se inscrever numa lista que de ano em ano chamava o próximo da lista, de tal forma que a cada ano tínhamos um novo presidente e um novo governador e deputado e senador, de tal forma que qualquer um poderia ser, bastava se inscrever e aguardar a lista, não havia outro meio.
As pessoas ficaram felizes no início, a chance de vencer na vida por fim, parece ter atingido a todos coletivamente e que de agora por todas foi sepultada a tristeza. Mas foi só passar o tempo que a euforia foi embora e o marasmo tomou conta da população que trabalhava dez horas por dia para o governo. Tudo era igual no país, tudo era daquela forma e todos tinham um destino, o mesmo. Decerto acabamos com a miséria e o desemprego, decerto não há mais mendigos e putas nas ruas, não há jogadores de futebol sem emprego, não há apresentadores de TV mendigando audiência e não há bailarinas, atores, diretores, músicos e cientistas rezando para conseguir um trabalho. Todos estão empregados no Estado.
Todos são funcionários públicos de carreira. Não há infortúnios, todos são estáveis. Os apresentadores de TV trabalham para os programas de TV do Estado onde não é preciso fazer nada, apenas narrar os acontecimentos. Os jornalistas apenas mostram os acontecimentos do estado, onde investe, quem entrou, quem saiu de tal cargo e só. Como as pessoas não se viram mais sozinhas, não há mais uma só briga de vizinho, um assalto, um protesto nas ruas, nada.
 Os assaltos, este fato é curioso, foi extinto. Ninguém rouba nenhum pão, nem água e nem a caneta do colega, fato tão comum entre amigos do passado e conhecidos, perdeu totalmente a graça, todo mundo tem uma caneta e se perder o Estado dá outra que não tem mais para quê. Os estupros foram reduzidos a zero, os homens podiam contar com o serviço de prostitutas municipais, que recebiam um salário do governo para se deitarem com quem quisesse contratá-las e consumi-las. Era só ligar para o setor de prazeres mundanos do governo que era mandada uma prostituta aleatoriamente escolhida, e o contratante não precisaria pagar. As mulheres dispunham do mesmo serviço, embora no início tivesse protesto dos maridos, hoje eles aceitam, pois o casamento virou algo tedioso. Os maridos não sentem mais prazer no sexo com suas esposas e as mulheres também não sentem mais nada.
Neste país não existe namoro, noivado, nada destas etapas tediosas. Todos nascem casados e poderão viver juntos quando completem dezoito anos, já que desde o nascimento todos já tem um emprego público garantido. Não tem para que esperar juntar dinheiro para comprar uma casa, o programa de habitação do governo, que abarca construtoras e engenheiros do governo construiu uma casa para cada habitante e seus filhos, de ponto que há casas vazias nas ruas não porque alguém queira vender, ou não possa pagar, mas simplesmente porque o dono ainda não nasceu. As mulheres não precisam mais cozinhar, o governo dispõe de uma infinidade de cozinheiras que abarcam toda a população e fazem o mais variado prato. É só ligar e pedir que o governo deixa a comida na sua casa, você não precisa perder tempo tendo que ir para a cozinha, não precisa trabalhar nisso, não mesmo.
 Para a saúde o governo dispõe de belíssimos hospitais com médicos e enfermeiros capacitados que atendem a população de pronto, todos funcionários do governo, todos concursados e atendendo com aquele olhar rotineiro de quem sabe todas as doenças que assolam a população pois até as doenças parecem estatais.
Os músicos trabalham fazendo músicas para o governo, ou podem até fazer músicas próprias, mas o trabalho é distribuído gratuitamente para a população, já que o governo se encarrega de distribuir a música do artista para toda a população, de tempo que ele não precisa se preocupar em vender, ou não vender, antes de nascer a composição ela já está vendida. Os escritores e poetas são servidores públicos de carreira também. Contam histórias de amores públicos e sonhos estatizados. Suas almas são do governo e para eles é cômodo pois a população inteira tem acesso a seus livros e poesias, é distribuído gratuitamente em cada esquina e em cada lugar, fazendo com que a população não precise ir a livrarias, os livros estão nas ruas, nas calçadas, ao alcance das mãos.
Os professores são funcionários públicos, matemática e física são ensinados nas escolas e nos pontos de ônibus. Todos os alunos que se formam num curso de licenciatura já estão empregados, trabalham onde quer que tenha vaga. As crianças não reclamam da falta de professores pois eles existem aos montes e todos são formados em universidades do governo e dão aula em programas do governo. De modo que, se qualquer cidadão precisar fazer uma conta, ou quiser tirar uma dúvida há sempre um professor de prontidão no telefone ou na rua para resolver. Dicionários não existem mais, professores de Português são encontrados nos lugares mais inesperados, todos funcionários públicos.

Os produtos são todos feitos pelo Estado: desodorante, creme, perfumes, estojos, bolas, plásticos, mesas, computadores, celulares, relógios, óculos, bolas, telefones, grampeadores, clips, pilhas, bermudas, camisetas, sapatos, livros, tudo e todas as coisas são advindas das fábricas do Estado, que fornecem todos os produtos e serviços para a população, alguns são fornecidos gratuitamente, como os objetos de menor valor e outros são comprados a preço de custo, empregado milhares de trabalhadores.
De forma que comprar um carro é muito simples, o governo comprou todas as fábricas de automóveis do país e lá empregou seus funcionários que dia a dia colocam novos carros e ônibus nas ruas, onde todos podem adquirir quantos quiserem e onde quiserem, basta ligar e pedir o modelo que o governo leva na sua casa e desconta de seu salário.  As indústrias de viagens também são do governo, com aviões do governo com funcionários públicos capacitados e empregados. Os pilotos são funcionários de carreira que pilotam para todos os cantos do país com um trabalho proporcional a sua capacitação.
Os jogadores de futebol jogam para o governo, todos os times foram comprados e todos vestem uma só camisa. O teste para jogador é muito simples, após virar funcionário Municipal se inscreve no setor necessário, se for sorteado, vira jogador municipal, em jogos locais. Para ser um jogador Federal ou Estadual o procedimento é o descrito acima, onde as ligas e estruturas são maiores.

Este país de natureza singularíssima e virtudes preciosistas, funciona como uma grande engrenagem, onde o que sair faz o país perder os trilhos. Com todos empregados no funcionalismo público não há o que reclamar e protestar, tudo funciona e tudo está interligado. Não há mais medos e sonhos, tudo está ao dispor de todos, menos a morte, essa atua por sua conta, a morte cumpre seus deveres na hora que quer e quando quer, os cemitérios, todos públicos, parecem locais de felicidade, onde quem morre pode, por fim, fazer algo aleatório e sem o senso comum.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

MARINA SILVA ESTÁ FORA DO 2º TURNO!?


Eu já tinha dito isso no início da semana, os eleitores de Marina estão indo para o lado de Aécio. Tem gente que na hora de votar para presidente vai digitar o “4”, mas ficará na dúvida se coloca o “0” ou o “5”. Esse eleitor está morrendo de vontade de mudar, mas ainda não declarou publicamente com medo de mudar o avatar do facebook (sic). O eleitor de Marina é aquele eleitor do “oba oba” que vai onde os outros forem, como se estivessem atrás de um trio elétrico de axé. E claro, é o eleitor “anti-PT” revoltadinho.

O cenário é catastrófico para Marina, nos últimos debates ela apareceu abatida e ontem no debate de maior audiência ela foi engolida pela aparição de seus adversários e engolida por si mesma. Sim, quando disse que Dilma não poderia ser Presidente porque ela nunca tinha sido nada antes, ela jogou no lixo o mote da “nova política”, a mesma que elegeu o desconhecido Geraldo Júlio para prefeito do Recife e que está(va) prestes a eleger Paulo Câmara para o governo de Pernambuco. Foi engolida por si mesma quando falou que o seu programa de governo parecia com o do PSOL, numa clara tentativa de se parecer o que não é. A tentativa de agradar a todos parece que não está dando certo, a onda Marina foi uma onda que surgiu com a morte de Eduardo mas que não consegue se sustentar, pois como já foi dito por um analista, saco vazio não se sustenta.

A verdade é que Marina está num partido no qual ela não acredita, o PSB tem inúmeras divergências com a candidata, e a candidata inúmeras divergências com as ideias do partido que está representando, e por incrível que pareça, é um partido da “velha política”.

Marina veio com o discurso ambientalista, que está meio abafado para agradar o AGRONEGÒCIO; com o discurso do casamento civil igualitário, que está abafado para agradar um segmento evangélico; e tinha o discurso da “nova política” que ela mesma abafou ontem. A candidata mudou 4 vezes de partido nos últimos 4 anos, será que nenhum partido presta para ela? Do PT ela migrou para o PV, do PV ela “criou” a REDE e desta ela correu para o PSB (mesmo sem acreditar nessa política) apenas para não ficar fora da projeção nacional, com a nítida demonstração de que o projeto político dela não é coletivo, mas pessoal de poder.

Marina nunca representou e nunca representará uma “nova política” até porque isso não existe. Isso é um chavão que foi criado para pegar justamente o eleitor coxinha e revoltado com tudo e todos e que adora frases de efeito, e que muda quando sente fraqueza. E isto é o que está acontecendo com o seu eleitorado, mudando de ideia e indo apoiar Aécio, numa tentativa desesperada de ser a última esperança de tirar o PT do poder (sic).

Ninguém mais acredita no que ela defende, nem ela mesma como foi claramente mostrado ontem. A grande contradição persiste, pois o eleitorado dela que dizia “queremos uma 'nova política'” está correndo justamente para o lado da política das raposas e liberais tupiniquins do PSDB, com a política que parece Liberal, mas é mais velha que a cartilha do “New Deal”. Pelo menos com Aécio Neves há um debate político claro, ele e seu eleitor se dizem “liberais” (o que é louvável), não é aquele discurso apolítico da Marina.


Lamentável, isso mostra a fraqueza dos argumentos de quem defendia Marina Silva e dos argumentos da própria candidata que a cada dia desfalece. A sorte dela é que o primeiro turno é Domingo agora, se não ela levaria uma virada história do Aécio Neves e corria o risco de ter menos votos que o Eymael. Nas pesquisas todos os candidatos subiram, até Luciana Genro e Eduardo Jorge, exceto Marina que perdeu quase 15 pontos. Talvez ela ainda vá para o segundo turno, mas é notório que Marina se acovardou, se apequenou e desfalece justamente na semana mais crucial para as eleições.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Quer estudar para concurso? Não venha.



Nessas últimas duas semanas conversei com muita gente sobre o assunto do momento há quase 10 anos. Não são as eleições, mas os concursos públicos. O desejo de “estabilidade” de muita gente. Muitos conhecidos estão cursando direito apenas pelo sonho de um dia ser “alguém” de posição social e ficar muito rico. Na época que estudava para o vestibular isso era o que menos atraía minha atenção, achava isso rasteiro e superficial. Mas esse é o sistema para quem quer entrar no mundo jurídico.


A falta de sono de muita gente é uma agonia: fazer concurso ou advogar? Conheço muita gente que está em casa, sem trabalhar, para estudar para concurso, qualquer concurso. Muita gente que está largando faculdade e emprego para ir para as salas de cursinho ou ir para uma das milhares de faculdades de direito espalhadas pelo Brasil. O mercado está inchado, todos os anos milhares de pessoas são despejadas nas ruas com o título de “bel em direito” e quase todas tem um sonho: passar em concurso. E cada dia mais gente entra no mercado.



O momento é desesperador, os cursinho anunciam que tem vagas para todos, que basta estudar e que um dia você chega lá. Sendo muito sincero? Não é bem assim. Quem estiver entrando em direito agora só vai entrar no mercado daqui a 5 anos e sinto te informar, daqui 5 anos essa pirâmide financeira vai quebrar. E cada dia mais gente entra no mercado.



Estou estudando só para concurso há exatos 9 meses, antes estudava mas estagiava, tinha faculdade e tinha projetos pessoais. Agora não, estou 100% focado nisso. O grande problema é que milhares de pessoas estão nessa também, e tantas outras milhares também querem entrar nessa.



E bate o desespero, será que vou passar? Realmente as vagas existem no Brasil inteiro, se você tiver dinheiro para viajar, gastar com estadia e ficar uns dias, praticamente toda semana tem algum tribunal, ministério público ou diversos órgãos abrindo processo seletivo. Mas ai eu pergunto, quem pode se dar a esse luxo? Das minhas viagens de concurso aprendi muita coisa, e uma das principais é que quem não tem dinheiro tem bem menos oportunidades e quase sempre não pode sair do seu estado. A cada dia está enfrentando a concorrência de gente de outros estados que podem pagar uma bagatela de mil reais para ir fazer uma prova de concurso que vai lhe pagar pouco mais de R$ 3.000,00 (três mil reais) como técnico administrativo. Isso mesmo, em um dos concursos de Tribunais que já fiz, tinha gente de todo Brasil disputando esse salário. E cada dia mais gente entra no mercado.



Se você for nas salas de aula a maioria quer ser delegado, juíz, procurador, promotor, etc. Mas antes de alcançar esses cargos precisam passar em outro concurso, de nível mais “baixo” como forma de se estabilizar e ter condições de passar num maior. Pois bem, essa vaga ocupada por alguém que quer ser juiz foi desperdiçada, pois ele não fará carreira. As pessoas fazem prova até passar e para qualquer cargo pois o que não querem é ficar desempregados. E cada dia mais gente entra no mercado.



Advogar pode ser uma saída interessante para quem não quer seguir uma carreira pública e tem talento para advogar. Mas, não é das mais atrativas. São em média 8 a 9 horas de trabalho diário para ganhar R$ 1.500,00 reais em um “grande” escritório e ter uma vida atribulada e sem tempo nem para si mesmo. Disse em média porque obviamente existe muita gente ganhando mais, bem mais, porém esses não são a maioria. A maioria são os soldados do front, que aceitam ganhar qualquer quantia a fim de realizar o sonho de serem de fato doutores e poderem colocar o prato de comida em casa, fora suas roupas, carro, relógio, perfume... E cada dia mais gente entra no mercado.



Não estou arrependido da escolha que fiz, cursar direito foi um grande aprendizado.

Mas não por nada disso que falei. Nada disso me atraí. Esse status jurídico ou o fetiche de ser “ryco” não é o que me motiva a estar estudando todos os dias. A estabilidade é uma das bases mas não é a única. Embora esteja fazendo concursos no Brasil a toque de caixa, olho o direito como forma de um dia poder ajudar a trazer um pouco de justiça e por isso escolhi já dentro de mim o concurso que quero e o cargo que pode fazer isso de forma mais efetiva, onde os pobres e injustiçados poderão ver seus direitos defendidos. Embora o direito seja apena a ponta do iceberg. E cada dia mais gente entra no mercado.


Para todos que querem entrar em direito querendo ser rico eu dou um conselho: não entrem por isso. Não venham aqui apenas para realizar projetos pessoais de conquista e poder, o sistema já está cheio de pessoas assim. Seu lugar é no mundo corporativo. Se quiser vim para a área jurídica pensando em fazer concursos, repense. Em breve será mais fácil passar em medicina que num concurso para técnico judicial de nível médio (dentro das vagas). Não estou exagerando. E para os amigos e amigas que vem conversando comigo e compartilhando esses dias de aflição e desespero a única coisa a fazer agora é dançar conforme a música e tentar conseguir um lugar ao sol, onde não é apenas o estudo que define quem entra e quem sai, mas as externalidades do mercado, principalmente. E cada dia mais gente entra no mercado.



Seu professor de cursinho e os cursinhos para concurso e OAB estão adorando essa corrida frenética e esse “boom” de pessoas sonhando um sonho que muitos jamais realizarão. A maioria vai discordar de mim, claro, eles vendem um mundo de ilusões e fantasias onde mostram pessoas que venceram, e dizem que você pode também. Realmente você pode, mas a cada dia está mais complicado e mais desleal o desafio. E cada dia mais gente entra no mercado.



Se você tem um talento não desperdice sentado numa carteira estudando para concurso, invista nele e você será feliz. Se você tem um sonho não deixe ele de lado apenas para ter o “status” de concursado. O mundo vai além disso. E você não sabe, mas a quantidade de pessoas frustradas num órgão público é imensa. O serviço público está mudando sim, mas lá não é lugar para astros, ou criatividades e desafios diários. Ali é lugar de trabalho, seriedade e comprometimento. É o lugar onde vocês viverão por 30 anos ou mais, fazendo quase sempre as mesmas coisas, verão seus filhos crescer, enfrentarão intrigas e muito provavelmente não terão glamour. Apenas, quem sabe, poderão ir ao shopping nos fins de semana desfilar com sua roupa nova comprada com seu suor. O mundo de ilusões vendido pelos cursinhos de que os funcionários públicos são seres mais felizes, muito tranquilos e estáveis não é verdade. Isso é a ilusão vendida para lotar as salas de aula e tirar muitos de nós de nossa real felicidade: realizar o que amamos. E cada dia mais gente entra no mercado.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Pai



Levanto e o sol começa a aparecer. Para meus amigos eu levanto na quase madrugada. Eu, com 40 anos e dois filhos, nunca pensei que nesta idade teria mais um filho. Cansativo, muito. Ando quase moribundo pelo corredor até chegar no seu quarto e ver que já está acordado. Deitado na cama, imóvel, sem choro e sem dizer uma palavra, fica olhando o teto, surpreso com o show de cores do nascer do dia. Dou o bom dia, ele me olha, não sorri, nem pede nada, apenas olha. Vou para a cozinha preparar a papa da manhã. Dois filhos fazem você ficar craque em papa e fraldas. Mas neste jogo pensei que estava aposentado.

Papa pronta e fria, como gostava. Levo-a até o quarto para dar em sua boca. Primeiro o prato sobre a mesa, depois trago-o ao colo, coloco a fronha sobre o ombro e encosto sua cabeça carequinha sobre mim. Cada colher em sua boca era uma aventura para ambos. Enquanto o alimento, lembro de toda a minha vida. Toda não, mas alguns fatos marcantes até aquele dia. Minha vida não se resume aos afazeres domésticos. Minha vida.

Terminou a papa em meia hora. Depois disso coloco-o sobre a cama, levo o prato até a cozinha e volto para cuidar de sua higiene. Carrego aquele ser frágil, sem dentes e sem forças até a banheira. Falo algumas palavras para ele incompreensíveis, e que são respondidas com o olhar. Tiro sua fralda suja, tiro sua camisa e coloco aquele corpo magro e pequeno dentro da banheira. Com as mãos vou jogando água em sua cabecinha, em seu rosto e por todo o corpo. Aquele corpo, até então inerte, demonstra a alegria interna de ficar, enfim, limpo. Sabão infantil com cheiro doce, shampoo infantil e um olhar ainda mais infantil. Tenho medo de deixar aquele ser frágil se afogar e aperto com mais força seu braço. Enxugo-o lentamente, como num ritual de purificação.

Deitado na cama passo pomada contra assaduras em seus genitais, coloco uma fraldo nova, visto-o como um lorde. Agora está limpo. Ligo a televisão para distraí-lo enquanto vou enfim cuidar de mim. Penso em tudo que ainda poderia fazer e lembro que falta o suco das 9 da manhã para fazer. Mas sosseguei um pouco e fui cuidar de mim, enfim.

Preparo meu café sozinho. Sem ninguém para conversar ou relatar os acontecimentos dos jornais falo com minha mente. Ligo a televisão da sala, sento na mesa e começo a comer o meu café da manhã. 

Pobre do meu pai, um homem que foi tão ativo em sua vida inteira e agora encontra-se reduzido a um ser insignificante, dependente de mim para tudo. Sem mulher, com um filho, sem amigos, sem seu dinheiro e sem sua vida. 

Enquanto como, tento imaginar como ele cuidou de mim. Na certa não cuidou. Em sua época as mulheres cuidavam da casa e nós homens cuidavam de trazer a comida. Mas certamente, alguma vez na vida ele deu banho em meu corpo pequenino, deu comida em minha boca e trocou minhas fraldas. Em algum momento, não é possível.

Eu estava casado, tinha filhos já garotos quando recebi a notícia de que meu pai estava com demência senil. Não tive reação, não sabia o que aquilo significaria. Enquanto o médico tentava explicar o que fazer, como cuidar, minha mente ia longe, voltava à minha infância e rememorava a nossa vida. Eu criança e ele, eu adolescente e ele, eu homem e ele. Agora teríamos essa página inesperada em nossas vidas. O homem nunca está preparado para o seu futuro.

Após um longo período fora, volto ao consultório e escuto o médico falando que hoje temos bons abrigos especializados em casos como este. Ele não vai para abrigo, eu vou cuidar dele. O médico silenciou, olhou nos meus olhos e sentiu que a nossa conversa poderia encerrar. Passou recomendações e saí daquela sala com o peso do mundo em minhas costas. Como explicar isso? 

Tive um longo debate com minha esposa e filhos e decidi sair de casa. Eles estavam criados, tinham seu futuro certo. Agora precisava cuidar dele. Minha esposa esbravejava, achava que eu tinha enlouquecido, onde já se viu largar família e filhos ainda menores para cuidar de um velho quase morto. Após essa palavra, levantei-me e fui ao quarto buscar minhas roupas e meus objetos. Atrás de mim ela gritava, mas eu não a escutava. Apenas estava preocupado. Eu sei que atitudes como essa são radicais, mas eu precisava fazer aquilo. Seria meu primeiro ato de amor em sã consciência por aquele homem. Uma pena que ele jamais poderá reconhecer isso, mas eu precisava fazer, precisava cuidar dele por mim. Pedi licença do trabalho, afastei-me dos amigos e tranquei-me naquele apartamento. 

Sentado sobre a mesa, assistia ao jornal da manhã com a tranquilidade de um ser imortal. Eu não pensava em nada, apenas assistia. No quarto, o ser inconsciente de si mesmo assistia ao mesmo jornal e respirava o mesmo ar que eu. Mas ele, aquele homem moribundo, não tinha ninguém por ele.