Tudo muda
De manhã cedo, na calma e pacata Metrópole
Recife eu me vejo numa dúvida, atravessar metade da cidade de carro ou de
ônibus? Com pouco dinheiro e com tempo de sobra decidi enfrentar o trânsito e o
transporte público da forma como dantes fizera: lendo algum livro. O trajeto
seria longo, mas não seria cansativo, ler dentro de coletivos era um hábito tão
comum para mim desde os tempos do vestibular, que já era craque em não perder
paradas, era só dá uma espiadinha no caminho.
Como fazia tempo que não subia em um ônibus
para um trajeto tão longo, eu estava bem feliz, duvido tanta felicidade vindo
de mim se tivesse que fazer isto todo dia. Sentei no coletivo e comecei a
leitura de um livro que já devorava fazia dois dias. Enquanto ia me embriagando
nas palavras e imaginando em que caminho o ônibus estava, eu negava olhar pela
janela do ônibus a paisagem que tempos atrás me deslumbrara. Da primeira vez
que andei pelo Recife, sozinho, e à noite, fiquei deslumbrado. Tenho ainda
guardado na memória a impressão que tive: minha cidade é bonita à noite. Aquilo
para mim foi como a descoberta de um acontecimento mágico e no auge dos meus 15
anos, do qual eu também descobria a vida, o amor e a felicidade, descobrir o
Recife fez parte de um ciclo de evolução. Toda vez ao largar do colégio fazia
questão de pegar o ônibus que iria fazer o retorno no centro só para poder
olhar as pessoas que subiam, olhar a cidade viva, saber o itinerário e
acompanhar aquela vida que me foi negada até então.
Poderia optar por já pegar o ônibus do outro
lado da rua, ele já voltando de sua longa jornada pelo centro, mas ai não teria
encanto, seria apenas um transporte coletivo e não um condutor à outra
realidade. Hoje, quem diria, eu recusava observar a cidade já tão defendida e
apreciada. Talvez tenha cansado da beleza; assim como nos relacionamentos,
chega um momento que a gente cansa e precisa de um tempo para retomar o amor,
ou simplesmente chegar a conclusão que tudo aquilo já cansou.
Embriagado na leitura não vejo o tempo passar
e esqueço de olhar onde estou, durmo. Durmo dentro de mim. Acordo subitamente
de um sonho, por Deus, não era um sonho, era um pesadelo. Me recomponho e vejo
que não dormia, era a realidade. Acordar é sempre bom, mesmo que de um
pesadelo. Ali estava minha cidade transformada. Tomei um susto quando vi que a
imagem que tinha daquela região com sua beleza e encanto já tradicional, era
agora tomada por uma nova beleza e encanto: a modernidade. Meu coração saltou
do peito e senti uma leve sensação de que tinha pego o ônibus errado e aquele
era outro lugar. Mas era o mesmo.
Tantas vezes passei por ali este ano e não
tinha dado por esta diferença, como pode? Passei de carro ali umas tantas vezes
procurando meu caminho, atento ao trânsito e ouvindo boa música que acho que
perdi de admirar ou assustar com a mudança. Talvez, se tivesse visto a mudança
gradativa não tivesse assustado com a mudança total.
Desci atordoado e procurando entender o que
via, parecia que acordava de um sono profundo do qual eu não podia acordar
quando quisesse, mas apenas um susto desse poderia ser capaz de tornar a
realidade. Tinha que resolver umas coisas muito longe dali e a parada neste foi
uma decisão difícil, embora tomada em poucos segundos.
Olhei atentamente o que estava mudando e
tentei resgatar na memória a imagem que tinha do lugar, realmente nada mais
estava ali, nada. Tive a sensação de não ser mais de minha cidade, de minha
terra. Tive a sensação de que não era mais de Recife, era de outro lugar do
qual eu não sabia ainda. Sinto que a mudança é algo inevitável mas que ela não
vai vim para mim, ela acontece à parte de meu desejo e de minha memória. Quando
menos percebemos, bum, teremos de engolir a nova realidade. Talvez eu esteja
acomodado com a sempre paisagem linda e poética retirada dos poemas de Bandeira
ou da música de Lenine, é difícil engolir um abuso tão grande.
Não sei, mas acho que é assim também em tudo
da vida. Quando nos acomodamos e simplesmente achamos que a vida está como
estava antes, que não há uma fúria no outro ou na paisagem que nos rodeia, simplesmente
ficamos para trás e é difícil acreditar que tudo esta mudando, menos a gente.
Não sei se é uma mudança para melhor ou pior sei que é uma mudança da qual eu
nem se quer cogitei em mim. É difícil para um casal quando um diz, “eu mudei e
vi que a vida a teu lado é um martírio, você não muda”, palavras assim podem
fazer você acordar de um estado de torpor do qual certamente não acordaria se a
pessoa simplesmente fosse carinhosa e tentasse não assustar. Às vezes uma
bofetada na cara ou na boca do estômago do comodismo é a melhor solução para
perceber, enfim, o que acontece ao teu redor.
A vida moderna consome tanto, a vida é aquela
que nos pede atenção e vitalidade, pede comprometimento e especialização, e
quando achamos estar vivendo ela bem, percebemos que simplesmente estamos
fechando os olhos para o que realmente importa: a gente.
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