Oito meses e três semanas, a barriga estava pela boca. Estava pela boca
também todo o seu ar, seu cansaço e a ansiedade de quem é de primeira viagem. A
mão que circundava a esfera a cada instante, transmitia amor e um calor para
aquele ser que ainda nem se fez, mas já chegará tendo responsabilidades. O ar
de mãe no rosto sempre lhe coubera, antes mesmo de saber que estava grávida
todos já sabiam, ali seria uma grande mãe.
Olhando a sala silenciosa, lotada, perdia um pouco a tensão, tantas mães
no mundo, quantos será que vão nascer no mesmo dia que o meu? A sala de espera
era aflitiva, sentada, com a barriga pela boca, as mulheres suavam frio; outras
com crianças já de colo faziam a trilha sonora daquele lugar de esperanças e
mistérios.
Voltou os olhos furtivamente para a televisão, apenas para ver se
conseguia entender algo, mas só via as imagens, ouvir era quase impossível. Continuou
a se entreter com as pessoas ao seu redor, sem dizer nada apenas olhava. Seus olhos
falavam por si, a curiosidade de ver outras grávidas, saber quantos meses, se
seria menino ou menina, qual seria o nome e tantas perguntas que fazia com o
olhar, mas que não esperava resposta.
Uma delas lhe chamou a atenção, pois conseguia dormir sentada naquela
cadeira dura, que mal apóia, neste calor e com este barulho. Ou estava muito
cansada, ou era muito despreocupada. Mas impossível ser despreocupada quando
você é responsável por outra vida, uma vida que ainda nem começou, mas que em
breve terá sua história.
O tempo não passava, aqueles vinte minutos na cadeira já incomodavam
bastante, nenhuma posição era boa. Levantou-se da cadeira e foi andar um pouco
exibindo o barrigão, até andar era uma aventura. Alisava a barriga
constantemente. O tempo passava devagar naquela tarde, as crianças choravam e
brincavam, brincavam e choravam, num contraste de emoções e barulhos que
poderiam fazer qualquer um não querer ficar ali, mas era preciso, sempre era
preciso.
Em pouco tempo caminhar incomodava, o calor incomodava e até o silêncio,
se houvesse, iria incomodar. A cara pálida, o batom vermelho, o sorriso no
rosto e os cabelos presos sem um corte definido faziam uma mistura de
renascimento com decadência de um ser.
Seria a próxima, anunciou a secretária. Justo neste momento a demora é
maior, justo neste momento a que entrou antes demora mais e mais que todas as
outras.
Carregava consigo os exames, as receitas, as dúvidas e tudo que pudesse
caber em sua consciência.
Naquele lugar havia um pacto secreto de que homens eram proibidos, porque
só as mulheres ficavam e só elas agüentavam esperar, os maridos deixavam-nas
ali e saiam em seguida. Não havia placas, não havia recomendações, mas nenhum
homem ficava naquele local, fato curioso que não tem muita explicação.
Chegara sua vez, entrou na sala, acomodou-se na cadeira, mas aquela posição
também não era boa, mas mesmo assim mostrou os exames ao médico. Olhando cada
folha atentamente, procurando cada letra mágica, o médico folheava aquela
papelada toda, fazia perguntas para a futura mãe e no fim deu o diagnóstico:
-Bem, bem, oito meses e três semanas não é? Semana que vem ele vem ao
mundo, está tudo bem, tudo perfeito.
O sorriso na cara da mãe ganhou um novo tom, agora estava corada. Ela já
tinha lido todos os resultados, mas mesmo assim ficou com medo, poderia ter
algum código ali que não entendia, alguma palavra que dissesse algo que não
conhecia.
O médico olhou para o calendário, marcou a data com ela, trocaram algumas
palavras e ela por fim sairia aliviada.
De repente ela começou a sentir saudades daquela barriga, de carregar por
tanto tempo aquela criatura que nem conhecia direito, de enfrentar todas
aquelas aventuras. Passou rápido, passou
furtivamente em sua vida.
Saiu da sala com um ar mais leve, satisfeita e meio aérea. A rua traria
desafios, a próxima semana seria de mais tensão, sua vida ganharia novos capítulos.
Enquanto outras mães esperavam seus maridos para ir-lhes buscar, ela saiu
caminhando pela porta, colocou seus óculos escuros e saiu para o ponto de ônibus
mais próximo. Seu filho teria apenas mãe, o pai, este não existe mais para ela,
talvez para o filho exista, para ela não mais.