Estava de volta à sua casa, olhava atentamente os móveis, já não estavam
tão novos, mas continuavam limpos, sempre limpos, sempre sem um pingo de
poeira.
A casa arrumada e velha mostrava que o tempo passava e que sua mãe não
mudava. Encontrou naquelas paredes sua infância perdida. O cheiro de bolo passa
agora pelas suas narinas, o cheiro de pão, o cheiro de salgadinho, o cheiro que
sua mãe confeiteira carrega no suor e nas roupas: o cheiro de saudade
invadiu-lhe o peito.
Andou pela casa tocando todos os móveis com a ponta dos dedos como se
sentisse um pouco do passado, ou quisesse novamente deixar sua marca naqueles
objetos de sua vida.
O seu quarto, que já não era seu, mas que estava intacto da forma que
deixara estava arrumado, com livros nas estantes organizados por tamanho; a colcha
e o tape formavam o cenário que jamais se apagará de sua memória.
Sentou na cama, olhou para tudo e teve uma vontade de chorar como fazia
quando era criança, chorar de dengo, de saudade, chorar de morte, a morte de si
próprio.
As lágrimas não queriam descer, suas lembranças começavam a invadir sua
mente de forma quase a estuprá-la, ele resistindo, mas elas insistindo em
entrar. Então seus olhos ficaram úmidos e por fim teve vergonha de si, vergonha
de seu choro e vergonha de suas mãos que não são calejadas como a daquela
mulher que lhe sustentara.
Desde o dia que partiu nunca mais voltara ali, sua mãe ficou sozinha e
sua única forma de comunicação era por telefone em datas comemorativas importantes,
eram divorciados de alma e pele.
Andou mais pela casa para sentir o gosto que já não provava fazia tempo,
até que seu tio disse, Vamos, recolha seu terno, pois não podemos atrasar, Tudo
bem, retrucou o homem ou o garoto? Não sabemos.
Recolheu seu terno, ajeitou a gravata e por fim sentiu que não era mais
dali, sentiu que seu mundo não era essa e que essas lembranças foram besteiras
sentimentais que acontecem uma vez na vida. Sentia que não era dali, mas sabia
que algo seu ficou ali: por todos os lados sentia o cheiro de sua mãe, sentia o
cheiro de bolo e sentia as marcas de suas mãos sujas de areia melando as
paredes.
À caminho do hospital olhava silencioso a paisagem que o cercava e tinha
vergonha de se dizer dali. Ia calado, sentado e encolhido no banco de trás como
querendo esconder a cabeça. Olhava assustado e admirado com a paisagem que não
mudara, que não crescera nem envelhecera. Parece que o relógio do tempo parou
quando saiu daquela cidade tão infeliz. Sentiu mais uma vez que não era dali.
Entrou no quarto em que sua mãe estava internada, esta não o reconheceu,
estava entre morta e viva, entre quase humana e uma deusa. Estava frágil,
cabelos brancos, boca rasgada pelo sol e sem palavras para dizer.
Sentiu-se uma criança novamente, sentiu que precisava daquele colo,
daquelas mãos em sua cabeça, daquele beijo, precisava sentir aquela pele quente
lhe acariciar como a maior prova de amor que um ser humano dá a outro. Sentiu que
era ele o fraco, mesmo sem estar doente.
Andou um pouco, se aproximou da mãe e meio reticente como sem saber o que
fazer, sentou na beira da cama e ficou olhando-a com pena. O tio se afastou e
deixou os dois a sós.
O filho não sabia o que dizer, não sabia por onde começar e não sabia
onde terminara a última conversa que teve com ela. As conversas no telefone
eram mero protocolo do qual já sabia de cor o que falar e o que perguntar,
agora não sabia nada. Agora há sangue, há pele, há pessoas, há sentimentos. Não
tinha uma palavra na boca, um gesto, um suspiro, nada! Não era filho dela.
Levantou, beijou a testa da velha mulher e tocou na sua mão. Há quanto tempo
estes gestos foram feitos pela última vez? Ele não sabia responder.
Sentiu que aquela mão fria e macia o aprisiona, não deixa ele retirar a
sua e não quer que ele vá. Teve pena de si.
Mas, mais uma vez ele foi feroz e não teve consideração, respeito e
piedade: arrancou ferozmente a sua mão daquela cadeia e com um olhar de cólera
desafiou sua mãe com um olhar superior. Ficou repetindo para si que ia embora,e
por fim balbuciou, Vou embora. A mãe não respondeu, assim como não respondeu há
20 anos. Da outra vez ela segurou a porta e viu seu filho sumir da sua vista
sem nem olhar para trás. Ela chorou por dentro. Ela morreu por fora.
Desta vez nada via, nada sentia, nada sofria.
Saiu da sala sem lágrimas nos olhos, sem arrependimento e com um sorriso
amarelo no rosto, com uma sensação de dever cumprido. Sua função de filho foi
executada, Agora só preciso voltar quando ela morrer. O tio dormia na cadeira
sem preocupação. Deixou uma quantia de dinheiro no bolso da camisa do seu velho
tio e foi embora sem olhar para trás.
Olhou o raio de sol que iluminava a calçada e seguiu seu caminho para
fora do hospital: sua vida seguia, seu mundo girava, sua vida tinha um destino.
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