quarta-feira, 23 de maio de 2012

Descartando vinis

                             
Eu tinha um disco de vinil, joguei fora. Joguei também as caixas e toda aquela tralha. Não vou contar a minha história, para que contaria? Joguei-a fora. Peguei os sonhos, embrulhei numa caixa e descartei pela janela, talvez tenha sido mais fundo, talvez um precipício, ou atirei no mar. Junto com os sonhos foram às esperanças, os planos e algumas pessoas que eu julgava essenciais para mim num certo momento; sim descartamos pessoas.
Acredito que a vida é meio isso, o tempo passa e vamos nos desfazendo daquilo que não presta ou que dizem ser antiquado, desatualizado. Queremos sempre comprar o moderno, viver o moderno, ficar na moda e sermos “presentes” com o que o mundo dita de “presente”. Mas pensamos apenas em nós, pensamos na felicidade momentânea e não pensamos no que construímos. Talvez você jogue junto com a vitrola sua imensa coleção de vinis. Nenhum problema, você faz outra só de cd’s. Pode até ser a mesma coleção do artista, mas não será mais a mesma coleção: não terá a mesma poesia nem lirismo.
Pessoas são todas iguais fisicamente, emotivamente, e até em gostos.  Amigos também são iguais: pagam a conta, ligam nos momentos difíceis e aparecem em fotos. Mas nunca são as mesmas pessoas.
O tempo vai passando e vamos moldando o que tínhamos por sólido em algo mais tangível à realidade, mais aceitável, mais fácil, por quê?  Talvez a coleção de vinil não seja mais sua, já se perdeu no tempo. Talvez o seu eu, agora, seja colecionar cd’s. O grande problema é que nem sequer pensamos em nossos atos do presente, e talvez nem pensaremos no futuro, apenas fazemos. Jogar uma vitrola no lixo não é simplesmente jogar uma vitrola no lixo, é algo que nasce de um tempo que nem nós sabemos, não nasce com a gente. Alguém produziu o cd, alguém comercializou e pronto, nos vemos obrigados a mudar. Conhecemos novas pessoas, não sabemos de onde elas vieram e pronto, nos encantamos e queremos descartas as antigas. Velhas namoradas não inspiram o mesmo prazer que uma nova namorada, velhos amigos não inspiram o mesmo prazer que novos amigos.
Vivemos novas pessoas e somos “obrigados” a descartar as que não nos servem mais, somos “obrigados” a viver uma nova aparência com o medo de desagradar. E no jogo das aparências desagradamos a nós mesmos. Descartem vinis, descartem pessoas e sejam felizes até enjoarem da “felicidade”.

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