Nessas últimas duas semanas conversei com muita gente sobre o assunto do momento há quase 10 anos. Não são as eleições, mas os concursos públicos. O desejo de “estabilidade” de muita gente. Muitos conhecidos estão cursando direito apenas pelo sonho de um dia ser “alguém” de posição social e ficar muito rico. Na época que estudava para o vestibular isso era o que menos atraía minha atenção, achava isso rasteiro e superficial. Mas esse é o sistema para quem quer entrar no mundo jurídico.
A falta de sono de muita gente é uma agonia: fazer concurso ou advogar? Conheço muita gente que está em casa, sem trabalhar, para estudar para concurso, qualquer concurso. Muita gente que está largando faculdade e emprego para ir para as salas de cursinho ou ir para uma das milhares de faculdades de direito espalhadas pelo Brasil. O mercado está inchado, todos os anos milhares de pessoas são despejadas nas ruas com o título de “bel em direito” e quase todas tem um sonho: passar em concurso. E cada dia mais gente entra no mercado.
O momento é desesperador, os cursinho anunciam que tem vagas para todos, que basta estudar e que um dia você chega lá. Sendo muito sincero? Não é bem assim. Quem estiver entrando em direito agora só vai entrar no mercado daqui a 5 anos e sinto te informar, daqui 5 anos essa pirâmide financeira vai quebrar. E cada dia mais gente entra no mercado.
Estou estudando só para concurso há exatos 9 meses, antes estudava mas estagiava, tinha faculdade e tinha projetos pessoais. Agora não, estou 100% focado nisso. O grande problema é que milhares de pessoas estão nessa também, e tantas outras milhares também querem entrar nessa.
E bate o desespero, será que vou passar? Realmente as vagas existem no Brasil inteiro, se você tiver dinheiro para viajar, gastar com estadia e ficar uns dias, praticamente toda semana tem algum tribunal, ministério público ou diversos órgãos abrindo processo seletivo. Mas ai eu pergunto, quem pode se dar a esse luxo? Das minhas viagens de concurso aprendi muita coisa, e uma das principais é que quem não tem dinheiro tem bem menos oportunidades e quase sempre não pode sair do seu estado. A cada dia está enfrentando a concorrência de gente de outros estados que podem pagar uma bagatela de mil reais para ir fazer uma prova de concurso que vai lhe pagar pouco mais de R$ 3.000,00 (três mil reais) como técnico administrativo. Isso mesmo, em um dos concursos de Tribunais que já fiz, tinha gente de todo Brasil disputando esse salário. E cada dia mais gente entra no mercado.
Se você for nas salas de aula a maioria quer ser delegado, juíz, procurador, promotor, etc. Mas antes de alcançar esses cargos precisam passar em outro concurso, de nível mais “baixo” como forma de se estabilizar e ter condições de passar num maior. Pois bem, essa vaga ocupada por alguém que quer ser juiz foi desperdiçada, pois ele não fará carreira. As pessoas fazem prova até passar e para qualquer cargo pois o que não querem é ficar desempregados. E cada dia mais gente entra no mercado.
Advogar pode ser uma saída interessante para quem não quer seguir uma carreira pública e tem talento para advogar. Mas, não é das mais atrativas. São em média 8 a 9 horas de trabalho diário para ganhar R$ 1.500,00 reais em um “grande” escritório e ter uma vida atribulada e sem tempo nem para si mesmo. Disse em média porque obviamente existe muita gente ganhando mais, bem mais, porém esses não são a maioria. A maioria são os soldados do front, que aceitam ganhar qualquer quantia a fim de realizar o sonho de serem de fato doutores e poderem colocar o prato de comida em casa, fora suas roupas, carro, relógio, perfume... E cada dia mais gente entra no mercado.
Não estou arrependido da escolha que fiz, cursar direito foi um grande aprendizado.
Mas não por nada disso que falei. Nada disso me atraí. Esse status jurídico ou o fetiche de ser “ryco” não é o que me motiva a estar estudando todos os dias. A estabilidade é uma das bases mas não é a única. Embora esteja fazendo concursos no Brasil a toque de caixa, olho o direito como forma de um dia poder ajudar a trazer um pouco de justiça e por isso escolhi já dentro de mim o concurso que quero e o cargo que pode fazer isso de forma mais efetiva, onde os pobres e injustiçados poderão ver seus direitos defendidos. Embora o direito seja apena a ponta do iceberg. E cada dia mais gente entra no mercado.
Para todos que querem entrar em direito querendo ser rico eu dou um conselho: não entrem por isso. Não venham aqui apenas para realizar projetos pessoais de conquista e poder, o sistema já está cheio de pessoas assim. Seu lugar é no mundo corporativo. Se quiser vim para a área jurídica pensando em fazer concursos, repense. Em breve será mais fácil passar em medicina que num concurso para técnico judicial de nível médio (dentro das vagas). Não estou exagerando. E para os amigos e amigas que vem conversando comigo e compartilhando esses dias de aflição e desespero a única coisa a fazer agora é dançar conforme a música e tentar conseguir um lugar ao sol, onde não é apenas o estudo que define quem entra e quem sai, mas as externalidades do mercado, principalmente. E cada dia mais gente entra no mercado.
Seu professor de cursinho e os cursinhos para concurso e OAB estão adorando essa corrida frenética e esse “boom” de pessoas sonhando um sonho que muitos jamais realizarão. A maioria vai discordar de mim, claro, eles vendem um mundo de ilusões e fantasias onde mostram pessoas que venceram, e dizem que você pode também. Realmente você pode, mas a cada dia está mais complicado e mais desleal o desafio. E cada dia mais gente entra no mercado.
Se você tem um talento não desperdice sentado numa carteira estudando para concurso, invista nele e você será feliz. Se você tem um sonho não deixe ele de lado apenas para ter o “status” de concursado. O mundo vai além disso. E você não sabe, mas a quantidade de pessoas frustradas num órgão público é imensa. O serviço público está mudando sim, mas lá não é lugar para astros, ou criatividades e desafios diários. Ali é lugar de trabalho, seriedade e comprometimento. É o lugar onde vocês viverão por 30 anos ou mais, fazendo quase sempre as mesmas coisas, verão seus filhos crescer, enfrentarão intrigas e muito provavelmente não terão glamour. Apenas, quem sabe, poderão ir ao shopping nos fins de semana desfilar com sua roupa nova comprada com seu suor. O mundo de ilusões vendido pelos cursinhos de que os funcionários públicos são seres mais felizes, muito tranquilos e estáveis não é verdade. Isso é a ilusão vendida para lotar as salas de aula e tirar muitos de nós de nossa real felicidade: realizar o que amamos. E cada dia mais gente entra no mercado.